100 anos de Vila – falta a criação do Concelho
FALTA A CRIAÇÃO DO CONCELHO
As comunidades locais nas quais se integram as freguesias e municípios não são estáticas, mudam conforme as dinâmicas das gentes e as suas condições naturais tendo havido grandes mudanças ao longo da história, nível nacional, regional e local e a antiga freguesia de Gontinhães e agora Vila Praia de Âncora, com a vetusta idade de 100 anos, não é exceção.
A VILA MAIS POPULOSA DO DISTRITO
O Senador Ramos Pereira tinha muito bem essa perceção, conhecia, como ninguém, a realidade da sua terra e as aspirações das suas gentes e, enquanto político, desempenhou um papel da maior relevância no Congresso e na Câmara de Deputados, que eram os órgãos de decisão política mais importantes, mas que, com o Estado Novo, passou a haver apenas uma, e assim se mantêm, a Assembleia da República.
Foi pensando nos interesses das populações de Vila Praia de Âncora e do Vale do Âncora que, no dia 27 de fevereiro de 1924, o Senador Ramos Pereira, apresentou um Projeto de Lei com o objetivo de elevar a freguesia de Gontinhães à categoria de vila, passando a designar-se Vila Praia de Âncora, o qual obteve o parecer favorável da Comissão de Administração Pública no dia 2 de julho de 1924, tendo sido votado favoravelmente na Câmara de Deputados no dia 5 de julho do mesmo ano, aprovado, sem qualquer voto contra, no Senado e publicado no Diário da República no dia 8 de julho, data que marca a produção de efeitos político-administrativos.
Pela sua relevância dou público conhecimento do Projeto de Lei assinado pelo Senador Ramos Pereira e cuja apresentação na Câmara do Senado efetuada aos restantes Senadores foi feita nos seguintes termos:
«Senhores Senadores. — A freguesia de Gontinhães (Praia, de Âncora), do concelho de Caminha, tem progredido consideravelmente a ponto de ser a mais populosa do concelho. É um grande centro comercial e industrial e TUDO FAZ ANTEVER QUE NUM FUTURO MUITO BREVE DESEJE A SUA AUTONOMIA ADMINISTRATIVA, A FIM DE O SEU DESENVOLVIMENTO MAIS SE ACENTUAR (sublinhado nosso).
Estância de turismo, como é, tem a sua comissão de iniciativa que carinhosamente estuda os projetos que hão-de facultar a Âncora o lugar de uma das nossas primeiras praias.
As condições naturais são de primeira ordem e talvez se possa afirmar que poucas serão as praias portuguesas que as tenham melhores.
Com a sua população de cerca de 3500 habitantes está bem nos casos de ver as suas prerrogativas aumentadas e, prestando preito aos laboriosos filhos de Gontinhães (Praia de Âncora), tenho a honra de apresentar ao vosso critério o seguinte projecto de lei:
Artigo 1. ° Elevada à categoria de vila a freguesia de Gontinhães (Praia de Âncora), a qual se ficará denominando Vila Praia de Âncora.»
Como bem se percebe, a população de Vila Praia de Âncora tem de estar muito reconhecida ao Senador, Dr. Ramos Pereira, que, para além de ser um grande médico muito prestável, particularmente para os mais humildes, foi um político com muito peso no partido Republicano e, como é por demais evidente, foi um grande defensor dos interesses da população de Vila Praia de Âncora e das freguesias circunvizinhas.
A relevância turística que Vila Praia de Âncora foi assumindo desde sensivelmente meados do século dezanove, traduziu-se na constituição de um polo de desenvolvimento sem paralelo no distrito de Viana do Castelo sendo a Vila mais populosa do distrito, ultrapassando, como ainda hoje acontece, a população de todas as Vilas sedes de concelho.
A ELEVAÇÃO A VILA COMO PLATAFORMA PARA E CRIAÇÃO DO CONCELHO
O desenvolvimento económico, social, cultural e turístico fez com que, para além da Junta de Freguesia, passasse a haver também uma “Comissão de Iniciativa” que antecedeu a instituição das Juntas de Turismo, posteriormente criadas pelo governo, que era integrada por representantes das entidades oficiais e representantes do comércio e indústria muito apoiada pelo Dr. Ramos Pereira e defendia naturalmente a realização de obras e melhoramentos mas que, naturalmente, reclamava a criação do município de Vila Praia de Âncora.
A Monografia do Concelho de Caminha, na parte relativa ao Vale do Âncora, escrita pelo Dr. Francisco Sampaio, refere, a esse propósito, que a Comissão de Iniciativa, na reunião realizada no dia 9 de Novembro de 1926 deixou registado, em ata, que nesta reunião, trataram da “questão da criação de um novo concelho cuja sede fosse Vila Praia de Âncora, sonho que há muito os filhos desta terra e quantos a ela têm interesses ligados, ambicionam”(sublinhado nosso).
Este texto deixa claro que o desejo da criação do município de Vila Praia de Âncora esteva intimamente ligado com a elevação e Vila, mas infelizmente, quando existiam condições para dar o passo seguinte, sobreveio o movimento militar de 28 de maio de 1926 (Estado Novo) que acabou com o regime democrático. A consequência foi a dissolução do Parlamento e do Senado, o fim das liberdades cívicas e políticas, a instauração de um regime de partido único sob a orientação política do Dr. Oliveira Salazar/Caetano, tendo todos os políticos da Primeira República, dentre os quais o Senador Dr. Ramos Pereira, sido arredados da esfera do poder e, não raro, objeto de perseguição.
A SUBSCRIÇÃO DA PETIÇÃO RECLAMANDO A CRIAÇÃO DO MUNICÍPIO DE VILA PRAIA DE ÂNCORA
Efetivamente, a ideia da criação do município de Vila Praia de Âncora foi condicionada durante a ditadura de Salazar e Caetano mas, depois do 25 de Abril, conheceu novos desenvolvimentos porque é algo que, sem qualquer margem de dúvida, está na mente das gentes de Vila Praia de Âncora e do Vale do Âncora, como o Senador Ramos Pereira, há 100 anos, bem soube interpretar.
Importa sublinhar que esta ideia conheceu vários impulsos por parte, essencialmente, dos ancorenses ligados às duas forças políticas dominantes em Vila Praia de Âncora, o PSD e o PS, e que tiveram responsabilidade na gestão municipal e da Freguesia.
O grande impulso foi dado, porém, pelo Fórum Ancorense constituído na segunda metade da década de 90, com dois grandes objetivos: reclamar mais investimentos em Vila Praia de Âncora e freguesias do Vale do Âncora, que a Câmara de Caminha deixava praticamente ao abandono, e mobilizar a população do Vale do Âncora para apresentar uma Petição na Assembleia da República, reclamando, a par de outras localidades com idênticas pretensões, a elevação de Vila Praia de Âncora a concelho.
O lançamento da Petição foi um êxito enorme pois foi assinada por mais de 4.500 pessoas com capacidade eleitoral naturais ou residentes em Vila Praia de Âncora e freguesias do Vale do Âncora. O ato simbólico de entrega da Petição na Assembleia da República, por uma comitiva liderada pelo Fórum Ancorense, constituída por 15 individualidades ancorenses, ocorreu no dia 11 de novembro de 1997, sendo recebida pelo Presidente, Dr. António Almeida Santos, que se comprometeu a dar sequência ao processo.
Em resultado da entrega da Petição foram apresentados Projetos de Lei pelos Grupos Parlamentares do PSD, do CDS e do PCP, todos propondo a elevação a concelho, mas, tal como as pretensões de outras localidades, não passaram no Plenário da Assembleia da República, aguardando pela próxima movimentação, que poderá estar para breve.
Atendendo à efeméride que agora se celebra entendo que as comemorações saberão sempre a pouco se esquecermos o segundo objetivo que esteve na origem da elevação a Vila, honrando os maiores impulsionadores do progresso da nossa terra e todos os que, ao longo dos tempos, se bateram pela criação do município de Vila Praia de Âncora.
É tempo de nos unirmos e corporizarmos a ideia dos nossos antepassados.
Vamos a isso!
José Luis Presa
Presidente do Fórum Ancorense