
Os desenvolvimentos científicos e tecnológicos são dois pilares fundamentais para a qualidade de vida do Ser humano. Vive-se num novo paradigma, que se apoia, sem reservas, naquelas dimensões, enquanto não colide com valores próprios da pessoa humana.
O mundo que, cada vez mais, se consolida sob o ponto de vista das tecnocracias ficará, porém, incompleto se não houver o cuidado de atender à necessidade premente da inclusão de um terceiro pilar que se pode designar por Cidadania Plena, esta numa perspectiva transversal, que tudo envolve.
Repensar a Cidadania para um mundo que avança, apenas, em dois sentidos, é retroceder a valores que não se desejam recuperar, porque negativos e incompatíveis com uma civilização humanista. Pretender aplicar, por exemplo, determinadas medidas, ditas como exemplares – pena de morte, escravatura, tortura, entre outras -, indiscutivelmente, valores negativos, que hoje, mais do que em quaisquer outros séculos, são inadmissíveis.
E se há seres humanos que cometem crimes hediondos, que repugnam a sociedade, várias podem ser as causas e diferentes os objetivos. A impreparação para o exercício dos valores cívicos e, por outro lado, patologias não identificadas e/ou tratadas, desigualdades de diversa ordem, e injustiças, entre outras. Os poderes, quaisquer que eles sejam, legitima e legalmente constituídos, nem sempre têm condições para acudir às muitas situações que se lhes colocam.
Na verdade, uns acomodam-se, não têm voz ativa, exceto nos períodos em que são solicitados a participar, sob a miragem de um futuro melhor: idosos, desempregados, marginalizados, diferentes; outros, utilizam a crítica oportuna, quantas vezes construtiva, mas, estando em minoria, têm de aceitar a situação – imigrantes, pequenas forças políticas e trabalhadores dos setores produtivos desvalorizados: agricultores, pescadores, mineiros e outras profissões em extinção. Passada a data da participação cívica, tudo volta ao mesmo, à “estaca zero”, ou, ainda pior, por mais uns longos quatro ou cinco anos, para uma esmagadora maioria da população.
É assim que começam a delinear-se as intervenções violentas, porque as injustiças, as desigualdades e a insensibilidade para os problemas sociais, os valores essenciais de Cidadania voltam a ser esquecidos.
Por isso se defende a importância da Cidadania, como um recurso axiológico, cada vez mais indispensável, que tem de ser exercido com assiduidade, em permanência e com competência, tal como se se tratasse de uma profissão, que deve estar sempre atualizada.
Neste contexto afigura-se pertinente partilhar a ideia segundo a qual: «Talvez pela razão mesma de existir tanta carência, tanto desrespeito a leis e à dignidade humana, a ênfase dada na pregação da cidadania até agora tenha sido mais de reivindicação de direitos do que exercer deveres de cidadão. Tem-se estimulado mais uma postura individualista de cobrança e protesto e menos uma atitude de participação, que pode ser individual, grupal ou colectiva com objectivos de auto-desenvolvimento social e como autodireção no encaminhamento e solução dos problemas comunitários, regionais e nacionais. » (RESENDE, 2000: 200).
Cidadania reflexiva, o pensamento crítico, a intervenção construtiva são, portanto, comportamentos que a sociedade atual tem de se habituar, na família, na escola, na Igreja, no trabalho, no lazer, se se preferir, em todas as circunstâncias, ao longo da vida.
Depositar, por comodismo, o destino das maiorias, que são as populações, nas mãos das minorias, ainda que legitimadas pelo sufrágio democrático, não será a melhor solução. Mas também as minorias eleitas não devem governar contra quem as elegeu, com base em programas e promessas eleitorais que, ao longo do mandato, não conseguem cumprir.
Assiste-se, com frequência, e elevados índices, a um certo desinteresse pelo esforço de pensar. Há situações em que apenas é necessário memorizar umas tantas funções e comandos de uma máquina, para que apareçam os resultados pretendidos, não importando como se chegou a eles.
Outras situações, mais complexas, em determinadas áreas do conhecimento, que já obrigam a um maior esforço intelectual, são pura e simplesmente consideradas uma grande “maçada”, que não importam aos saberes fazer e produzir. O pensamento crítico vai-se atrofiando, corre-se o risco de qualquer dia, uma nova geração, viver num mundo tão virtual que, possivelmente, se ignorará a si própria.
Cultivar a reflexão, tal como interessar-se por um corpo sadio, é imprescindível, se se quiser viver com qualidade, usando todo um potencial que ainda ninguém sabe até onde pode ir, que é o pensamento e a consequente criatividade humana.
Exercer a crítica, construtiva, educada, tolerante e cívica parece ser o rumo a seguir, neste novo século, que se pretende pacífico, com menos injustiças e desigualdades sociais e de outra natureza. Preparar as novas gerações para saberem utilizar esta potente “ferramenta”, é um dever de todos, tal como distribuir outros recursos técnicos.
O progresso e bem-estar de um povo passam, também, pela sua capacidade de reflexão, de criticar, de apresentar alternativas às suas próprias críticas, de solucionar problemas e não só de ocuparem o tempo em frente a uma qualquer máquina, por muito importante que ela seja para o desenvolvimento científico e tecnológico. Não haverá progresso sem massa crítica, e é por isso mesmo que uns países (povos) estão mais avançados do que outros.
Educação, formação e Cidadania podem acrescentar-se a outros comportamentos e recursos, que devem ser valorizados e implementados por quem tem responsabilidades, e meios para o fazer. Cidadania Reflexiva em todos os momentos da vida.
Bibliografia
RESENDE, Enio, (2000). O Livro das Competências. Desenvolvimento das Competências: A melhor Auto-Ajuda para Pessoas, Organizações e Sociedade. Rio de Janeiro: Qualitymark