“Cutty Sark” rebaptizado como “Ferreira”

0
2301

Na imagem: o painel de popa do “Cutty Sark” rebaptizado como “Ferreira”, nos finais do séc. XIX – passou a navegar sob pavilhão português.

O registo fotográfico é anterior à renomeação do navio como “Maria do Amparo” (ca. 1922). Pouco tempo depois, o icónico Tea Clipper seria resgatado pelos britânicos, sempre lhes tirei o chapéu, à forma como cuidam e valorizam o património.

Hoje, a inspiração da marca de whisky, é conhecida atracção turística britânica, museu vivo a visitar; qual derradeiro testemunho de resistência, velocidade, e beleza…sobretudo dos gloriosos tempos da rota do chá. Nas suas várias vidas, muitas foram as cargas e os trabalhos. Dos antípodas aos Açores, sem esquecer Lisboa (e muitos outros lugares), conheceu diferentes pessoas, portos, e mares. Além dessa enriquecedora diversidade, também arvorou Portugal.Na nossa memória, é marca sobretudo do tempo, em que o transporte intercontinental de mercadorias era feito por grandes veleiros. Pois essa foi a solução encontrada pela nossa Marinha Mercante para lidar com o elevado custo do transporte, e naturalmente, do transacionável carvão. Os armadores portugueses procuravam dessa forma soprar na lonjura do oceano de tempo perdido, os vapores dos consideráveis atrasos da frota nacional, desamarrada ao apoio do Estado e contrária à tendência europeia, se considerarmos os concorrentes europeus do principio do séc. XX.

A velha arte, apenas conseguiu bolinar até inevitável decadência de pano rasgado.Se a barca já conhecia anteriormente aventuras e penosas travessias com passagens complicadas, os portugueses adicionaram mais uns bons capítulos ao seu diário de bordo (sobretudo no transporte de carga por Moçambique e Angola). Tive o prazer de visitar pela primeira vez esse maravilhoso navio, quando morei por Londres, fiquei desde logo com a ideia de que um projecto museológico daquele calibre, não se esgota na História.

Cada navio parece ter uma vida própria. Quando bem trabalhado, dá palco de verdadeiras aventuras que raramente naufragam na indiferença, mesmo que para isso tenha de renascer das cinzas qual fénix. Essa é a maior beleza do grande veleiro, enfrentou dificuldades próprias dos tempos, e resistiu.O meu Portugal estagnado que deixou agonizar o lugre “Argus” ao sabor da maré, amarra poita à memória, sem cuidar de valorizar, nem explicação aparente. De mão estendida no cais, assistimos ao delapidar de riqueza futura. Ao menos o Cutty Sark escapou aos fantasmas da História Trágico-Marítima, ou quem sabe, se à mais honrosa despedida do Thermopylae (rebaptizado de “Pedro Nunes”). Tal como o companheiro da mítica regata, esta outra lenda também andou na rota do chá, e nos caminhos da lã.Apesar do peso da História, nem o cosmógrafo-mor calcularia o desprezo a que votamos hoje o imenso património desta gente de mar, nem tampouco as razões para voltarmos costas a tesouros por valorizar.

Quando penso no que os egípcios prepararam (maior museu arqueológico do mundo) no contexto pré-pandémico, apesar desta “incerteza” futura, solto meu pranto: Portugal, quanto desperdício!

Quem é Paulo Landeck

Paulo Landeck nasceu próximo do Cais de Alhos Vedros (Moita), em 78. Cresceu na presença do Estuário do Tejo e das ondas da Costa da Caparica. Viveu pela Ilha da Madeira, Sudoeste de Inglaterra, País-de-Gales, Porto, diferentes ilhas dos Açores, Figueira da Foz, S.Pedro de Moel, Lisboa…em Setúbal, sente-se em casa.

Andou muito tempo pela Noruega, Faro, Canadá, Croácia, Espanha, ou Escócia, sempre com o mar por perto.

Além da paixão pelo mar, dedica-se muito à sustentabilidade; defende maior atenção aos serviços de ecossistemas; acredita na economia da conservação; mergulha diariamente na cultura.

É observador de espécies marinhas, marinheiro, guia, ser humano incompleto e insatisfeito; longa experiência de trabalho em contexto científico, sobretudo na biologia marinha e pescas. Trabalhou em escolas de surf e de mergulho, hotelaria, aviação; foi professor, guia turístico, gestor de conteúdos.

Formado em Turismo (Portalegre, pré-Bolonha). Pós-graduado em Ecoturismo (Coimbra).

Patrão Local. Tem cédula marítima (marinheiro) e praticou mergulho (CMAS/PADI). Diversos cursos avançados de segurança e sobrevivência no mar, em Portugal e no estrangeiro.

Colaborou com o Departamento de oceanografia e Pescas (DOP) da Universidade dos Açores, e Universidade do Minho/Sociedade Portuguesa de Vida Selvagem (SPVS). Longa experiência como Observador de Pescas da U.E.

Juventude marcada pela vida associativa, cultura do surf, e diversas actividades de ar livre.

Trabalhou embarcado ao longo de 16 anos: na pesca do bacalhau da Terra Nova; nos Açores, ao caranguejo-das-funduras; no palangre ao espada-preto, e na pesca tradicional à linha, ao atum; na costa continental portuguesa (pesca costeira, e a velejar); nos mares Mediterrâneo e Adriático; nas Ilhas Shetland (Escócia), Inglaterra, Países Baixos, e plataforma continental norueguesa do Mar do Norte…navegar, ontem, hoje, e sempre que possível!

Sabe que teve um antepassado cozinheiro de origem madeirense em navios de longo curso, e um escafandrista que provavelmente terá vivido emocionantes aventuras ao serviço da corte.

Trisneto de prussiano de origem polaca, membro da Comuna de Paris (1871), está-lhe na guelra, uma certa inquietação; é bisneto de arquitecto inglês que deixou obra de influência veraneante francesa em Portugal…herdou das gerações seguintes, os ecos de África. Seu pai nasceu no Lobito, e combateu na Guerra do Ultramar (Comandos – Angola), antes de vir para Lisboa. A sua mãe nasceu em Kinshasa (no antigo Zaire), ainda nos tempos de Mobutu Sese Seko. Sua mãe cresceu em Lamego e após passagem pelas Belas-Artes no Porto, foi no Magistério Primário em Angola que se reencontrou antes de “retornar” a Portugal no tumultuoso período de 75.

Imagem retirada de blogue:
https://timelinesandsoundtracks.blogspot.com