Dimensões Culturais e Educativas de Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846)

Opinião de Diamantino Bártolo
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A caraterização de Silvestre Pinheiro Ferreira, cuja investigação respeitante à sua vida e à sua obra, se vem desenvolvendo, ao longo do presente trabalho, parece suficientemente consensual ,e relativamente pacífica, nomeadamente, quanto à influência que teve na cultura luso-brasileira, quer ao nível das elites, quer no seu empenhamento e preocupação, em relação à juventude, pese, embora, a sua obra ser complexa e com elevado grau de dificuldade de compreensão, possivelmente, por se tratar de um autor não clássico.

 Na verdade: «A leitura das Prelecções Filosóficas e a tentativa de a situar no complexo quadro filosófico, científico, cultural e social dos fins do século XXVIII, princípios do século XIX, suscitou-me estas considerações preambulares, que se apresentam como uma justificação das dificuldades com que se depara qualquer leitor. Não há dúvida que a obra de Pinheiro Ferreira reflecte bem este encontro-desencontro com o espírito do tempo e simultaneamente um grande esforço – sobretudo de ordem filosófica e didáctica…» (SOARES, 1998:31).

E para se reforçar mais o grau de complexidade da obra Silvestrina, invoca-se, também, o período histórico-cultural e os locais em que, e por onde passou o autor, respetivamente, dos quais se pode retirar a ideia sobre as dificuldades, que as populações do Brasil e Portugal sentiam no começo do século XIX. Com efeito: «… Silvestre Pinheiro Ferreira, figura singular e complexa de filósofo e homem público, cujo saber enciclopédico abarcou todo o conhecimento do seu tempo, da matemática à pedagogia, do direito à economia, da mineralogia à botânica, representa no pensamento português, de forma particularmente expressiva o trânsito da fácil e serena confiança do século XVIII para a austera e dramática inquietação do séc. XIX.» (TEIXEIRA, 1981:87).

Figura importante, cuja influência na cultura, bem como na educação, revelou uma grande compreensão pelos jovens, aos quais incentivava para uma maior dedicação e aprofundamento nos estudos, como forma de uma melhor preparação para a vida, porque isso é óbvio em toda a sua obra, quando analisada pelos autores que se lhe seguiram e o estudaram. Na verdade: «Silvestre Pinheiro Ferreira foi, predominantemente um pedagogo, sempre voltado para a juventude com o intuito de nela acordar seriedade e real interesse pelos temas de Cultura…» (SANTOS, 1983:42).

A partir da sua imensa cultura, pode-se afirmar que Pinheiro Ferreira é, nos domínios filosófico-político, jurídico-social, da educação e da cultura, como pensador do séc. XIX, possivelmente, o primeiro em Portugal e no Brasil que determinará, ainda que parcialmente, o rumo do pensamento do século de oitocentos. A sua obra, viria a influenciar as orientações do pensamento filosófico brasileiro, no período que se seguiu à Independência, encaminhando, de alguma forma, as gerações seguintes para a meditação, para os valores da liberdade, e de uma cultura de verdadeira cidadania.

Se no espaço luso-brasileiro, do século XVIII, educação e cultura caminhavam juntas, e os acontecimentos, então verificados, afetavam a ambas, tais como: a expulsão dos jesuítas e a secularização do ensino, determinados pelo Marquês de Pombal, verificando-se uma reformulação da educação formal, ao nível do ensino secundário; já o século XIX, seria especialmente profícuo no âmbito da educação e da cultura.

Certamente que tais alterações, para melhor, ficam a dever-se à ida da Corte Portuguesa para o Brasil em 1807, e não se pode dissociar deste facto, a circunstância de Silvestre Pinheiro Ferreira ter sido, durante os cerca de 11 anos, que permaneceu no Brasil, praticamente sempre ao serviço de D. João VI, um fiel conselheiro do monarca.

A propósito desta sua atitude de fidelidade ao Rei, analise-se a seguinte passagem: «Quanto a Silvestre Pinheiro Ferreira, demonstrou simultaneamente, de forma concreta a sua fidelidade a D. João VI e ao liberalismo, regressando com ele para Portugal (ambas as coisas explicando as dificuldades que veio a ter com o governo reaccionário então instalado).» (MARTINS, 1977:46).

Uma das muitas razões, pela qual Silvestre Pinheiro Ferreira, influenciaria, durante longo tempo, a cultura Brasileira, poderá encontrar-se na grande admiração que, tanto ele, como D. João VI, tinham pelo Brasil, e pelos brasileiros, conforme e com frequência, se encontra na História dos diversos aspetos do Brasil, sendo de realçar uma conversa comovente, entre o soberano e Pinheiro Ferreira, a propósito do regresso (ou não) da corte, a Portugal, em 1821.

Assim: «Seria o da aquiescência à imposição do Povo, a brandura para as futuras composições, a constitucionalização da monarquia, como desde 1814 lembrara Silvestre Pinheiro Ferreira.» e, mais adiante: «Silvestre Pinheiro insistia sempre… Perdia-se o Brasil! As últimas palavras com que D. João VI lhe selou os argumentos foram molhadas de lágrimas: Isto já agora não tem remédio. A Providência que tão maravilhosamente tem protegido a monarquia portuguesa, é quem só a pode salvar. Somente Deus.» (CALMON, 1935:249 e 274).

Atitudes desta natureza, em que valores de fidelidade e lealdade são tão evidentes, certamente só vêm contribuir para se incutir na mentalidade dos povos, uma cultura da dignidade, do respeito, da observância dos valores fundamentais, porque não é só a cultura livresca, a cultura das elites, a cultura adquirida por meios financeiros, que é a mais importante, quando não se valoriza a cultura das atitudes nobres, leais e justas. Neste aspeto, Pinheiro Ferreira, deu muitas lições e, precisamente, pelo seu comportamento frontal e claro, bondoso e humilde, é que a juventude tanto o admirava.

Bibliografia

CALMON, Pedro, (1935). O Rei do Brasil: Vida de D. João VI. Rio de Janeiro/RJ: José Olympio-Editora.

MARTINS, Wilson, (1977-1978) História da Inteligência Brasileira, São Paulo: Cultrix/Universidade de São Paulo. Págs. 32-54.

SANTOS, Delfim, (1983). “Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846)”, in: Silvestre Pinheiro Ferreira, Bibliografia e Estudos Críticos, Rio de Janeiro: Centro Documentação Pensamento Brasileiro. Págs. 35-36.

SOARES, Maria Luísa Couto, (1998). “Heterogeneidade dos Discursos nas Prelecções Filosóficas de Silvestre Pinheiro Ferreira”, in: Cadernos de Cultura, 1, Direção de José Esteves Pereira, (1998). O Pensamento de Silvestre Pinheiro Ferreira, Lisboa: Centro de História da Cultura/UNL, (1/1998).

TEIXEIRA, António Braz, (1981). “Um Filósofo de Transição: Silvestre Pinheiro Ferreira”, in: Revista Brasileira de Filosofia, Vol. XXXI, (122), S. Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia, abril-maio-junho, Págs. 87-102