Direitos Humanos: Disciplina do Conhecimento?

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O domínio sócio-cultural “Direitos Humanos”, enquanto tal considerado, ou com um estatuto de disciplina do conhecimento, susceptível de ser ensinada e avaliada, felizmente tem vindo a melhorar significativamente: quer a nível de mestrados e, mais recentemente, no âmbito dos doutoramentos; quer quanto à sua autonomização, no quadro da formação profissional e educação e formação de adultos em Portugal; quer, ainda, quanto ao seu desenvolvimento teórico-prático; bem como no que se refere aos técnicos, docentes, formadores ou especialistas, reconhecidos para transmitir, ensinar e avaliar este tipo de saberes e práticas.

Sob a designação de Cidadania, onde se incluem os Direitos Humanos, na verdade trata-se de um conhecimento que envolve as quatro dimensões da formação integral da pessoa, designadamente nos contextos dos: Saber-ser, Saber-estar, Saber-fazer e Saber-conviver-com-os-outros solidariamente, de resto, a Cidadania é tão envolvente e, simultaneamente, tão transversal às demais disciplinas, que é quase impossível não ser abordada.

Antes de se analisar a possibilidade de atribuir a este tema, o estatuto de disciplina do conhecimento, fundamental ao desenvolvimento pessoal e social do ser humano, seria interessante abordar a sua utilidade no atual panorama mundial, no que respeita ao contributo para a Paz e Felicidade da Humanidade, na perspetiva da preservação e dignificação da vida, esta considerada sob qualquer das vertentes: biológica ou espiritual, embora se defenda, aqui, a vida como única, indivisível e supremo bem da pessoa humana. Então qual o contributo que a interiorização e prática dos Direitos Humanos pode dar à vida humana para a Paz e Felicidade de todo o universo humano?

Considere-se que todos os conhecimentos, técnicas, práticas e saberes, cientificamente estruturados, ou não, são importantes para o desenvolvimento da pessoa, e que não se discrimina, pela negativa, nenhum deles, excetuando-se aqueles que, violando todos os deveres e direitos, possam prejudicar a vida, a paz, a felicidade, os quais, ainda assim, devem ser conhecidos, com o objetivo de, consciente e intencionalmente, se evitarem, pelo menos, na sua aplicação no mundo real.

Nesta linha de orientação, que se admite não ser a única nem, eventualmente, a melhor, importa, em todo o caso, assumir os Direitos Humanos como um conhecimento a adquirir bem cedo na vida, e a praticar durante toda a existência, melhorando a intervenção do cidadão, no seio da comunidade em que ele se integra. Igualmente fundamental é a reflexão permanente e cuidada, com a ajuda de práticas pedagógicas, estratégias e objetivos de aperfeiçoamento.

Conjugadamente, cabe à Escola, enquanto sistema educativo, sob a orientação política dos respetivos titulares, e à sociedade civil, legislar e aplicar, respetivamente, sobre a introdução, dos “Direitos Humanos e Cidadania”, como disciplina obrigatória e autónoma, a ser ministrada em todos os níveis de ensino e cursos de qualquer natureza, numa perspetiva da Escola Universal.

O conhecimento desta matéria, e a sua aplicação, não são abstratos, eles desenvolvem, direta e profundamente, o homem concreto, real, previamente idealizado como um ser único, inimitável, infalsificável e inigualável, no mundo de todos os seres vivos, em relação aos quais se pode considerar superior, em quase todos as suas dimensões, desde logo, como um Ser espiritualmente misterioso, cujo fim último ainda não é aclarado pelas ciências exatas, embora a metafísica e a teologia sejam suficientes para explicá-lo, pelo menos para os crentes.

A compilação e sistematização de toda a documentação relevante, sobre: direitos, liberdades, garantias e cidadania humanas, poderão ser a primeira grande medida, no sentido de elevar estes conhecimentos ao estatuto de disciplina académica, integrante dos currículos de todos os níveis de ensino e cursos ministrados em todo o mundo.

Reunir a imensa quantidade de conceitos, dispersos por documentação internacional, num corpo organizado de saberes e de boas-práticas, é uma tarefa nobre, que se impõe, com acutilante atualidade, a todos os países verdadeiramente democráticos. Trata-se de um bem de primeira necessidade, no atual cenário mundial de violência, discriminação, destruição e morte.

A organização, inclusivamente, de cursos de pós-graduação, com especialização em Direitos Humanos e Cidadania, afigura-se uma medida político-educativa de grande alcance e, tanto mais relevante quantos mais países, sob a égide da Organização das Nações Unidas, através das Delegações Internacionais, adotarem e fizerem incluir, nos respetivos sistemas educativos, uma tal pós-graduação, seja ao nível do Mestrado, seja no contexto de um Doutoramento.

O núcleo duro, ou seja, se se preferir, as matérias fundamentais obrigatórias constituir-se-iam ao nível dos Direitos Humanos de primeira geração, ou Direitos Naturais, considerando-se estes como as bases dos genuínos Direitos do Homem, universalmente reconhecidos, à escala da espécie humana, qualquer que seja a nacionalidade do indivíduo humano, na medida em que: «Os direitos humanos devem ser respeitados nos Estados democráticos liberais e justos, mas também nos Estados que não são justos, nem sequer liberais ou democráticos. Os direitos humanos têm de manter toda a sua força moral fora do Estado, para as pessoas que estão algures perdidas na terra de ninguém, para os que emigram, os expatriados e os refugiados.» (ROSAS, 2006:28).

Construída a base elementar do curso, a composição dos restantes blocos de conhecimento, e boas-práticas, organizar-se-ia com os direitos de segunda e terceira gerações, e o curso concluir-se-ia com a elaboração de uma dissertação na perspetiva de mais um contributo para uma maior divulgação, nos respetivos países, não só no âmbito restrito dos Direitos Humanos, mas também no quadro da Cidadania, em contexto nacional, para depois se avançar para o Cidadão Lusófono e, finalmente, para o Cidadão Universal.  

Obviamente que, independentemente deste processo político-pedagógico, e legislativo, cada país deveria, desde já, legislar no sentido da institucionalização desta pós-graduação específica, e implementar, em todas as universidades e institutos superiores, o seu funcionamento.

Portugal já iniciou este processo, concedendo a algumas instituições de ensino, as respetivas autorizações para ministrarem mestrados e doutoramentos nestes domínios. A atual situação mundial impõe que se deem as mãos, se avance para medidas concretas, que visem sensibilizar os povos de todo o mundo, para a possibilidade de, por esta via, se alcançar a paz, a felicidade e a dignidade da vida humanas.

Uma outra alternativa, eventualmente mais prática, consiste em fazer incluir em todos os currículos das licenciaturas, uma disciplina obrigatória em Direitos Humanos, aqui abrangendo os direitos de segunda e terceira gerações, como direitos de cidadania, reservando-se os direitos de primeira geração, ou Direitos Naturais, como aqueles que são genuinamente humanos, porque integrantes e resultantes do nascimento da pessoa humana, justamente para os primeiros níveis da escolaridade obrigatória.

Entretanto, durante os ciclos escolares, e até à obtenção do curso superior, ao qual estará acoplada a especialização em Direitos Humanos, agora genericamente considerados nas suas três gerações, ministrar-se-ia uma disciplina que bem se poderia designar por Cidadania e Direitos Humanos, como já vem acontecendo nos cursos profissionais, preparando os alunos, não só pela aquisição de conhecimentos específicos, mas também pela sensibilização e boas práticas, em todas as idades.

 Esta disciplina, obrigatória em todos os anos escolares, seria avaliada tal como qualquer outra, e teria o peso adequado na ponderação da nota final, do respetivo ano escolar. Um projeto desta magnitude, seguramente, conduz, ao fim de duas ou três gerações, a uma sociedade humana mais tolerante, solidária, pacífica e feliz. Haveria, certamente, uma maior certeza quanto à proteção e dignidade da vida humana, em todo o mundo.  Enfim, caminhar-se-ia para o tão desejado equilíbrio democrático, humanista e civilizacional.

Bibliografia

ROSAS, João Cardoso (2006). “Sobre o Papel Moral do Estado-Nação”, in: Nova Cidadania, S. João do Estoril: Principia Editora, Ltda., Ano VIII, nº 30, outubro-dezembro 2006, 26-30