Ética e Deontologia da Autoridade

Opinião de Diamantino Bártolo
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O termo dever é, vulgarmente, utilizado como sinónimo de obrigação, porque os dois termos – dever e obrigação –, sugerem a ideia de cumprimento de algo que é intrínseco, ou extrinsecamente imposto, porém, os vocábulos são distintos, já que a obrigação tem um caráter de necessidade moral, que vincula o sujeito a um determinado procedimento; o dever significa esse mesmo procedimento, isto é, enquanto aquela é o aspeto formal e subjetivo, este é o lado material e objetivo de uma mesma realidade da existência humana.

Na sua praxis quotidiana o homem é um ser em liberdade, dependente dos seus deveres e, como tal, capaz de não respeitar as suas obrigações ou de as assumir, precisamente, por essa capacidade de se autodeterminar, num vasto universo de comportamentos, livre quanto às decisões que toma, e proporcionalmente responsável, desde que as tome no pleno uso das suas faculdades humanas, respondendo pelos seus atos, rigorosamente, no cumprimento dos seus deveres.

Num contexto social, o agente da Autoridade Policial, tal como qualquer outro cidadão, é sujeito de deveres e titular de direitos. É sujeito de deveres gerais, desde logo no cumprimento das leis que regem a sociedade em que se integra, de acordo com os valores coletivamente aceites, inseridos numa dada cultura.

Assim, ele tem o dever de: acatar, com educação e civismo, as ordens que recebe de outras autoridades, com legitimidade para as dar; ele deve observar os direitos dos seus semelhantes; enfim, ele tem a obrigação de assumir os deveres cívicos como inevitáveis, absolutos e universais.

É titular de direitos, tal como qualquer outro cidadão, inclusivamente, os direitos de: autodefesa; saúde e integridade física; ensino, educação, formação e treino; de apresentar, pelas vias competentes, e pelos métodos mais corretos, as suas legítimas aspirações, mas, em circunstância alguma, terá o direito de, usando as prerrogativas específicas da sua posição e atividade, exigir, pela coação, a alteração das leis, com vista à concretização de reivindicações incompatíveis com o seu estatuto profissional e código deontológico.

O agente policial responsável, como agente livre que é, deve, todavia, dar conta dos seus atos à autoridade superior, a fim de lhe sofrer as sanções, positivas ou negativas, com a dignidade que distingue toda a pessoa humana de boa formação. Da responsabilidade assumida, ou não, pelos atos praticados, deriva o mérito ou o demérito, respetivamente.

Embora seja impossível ao homem reconhecer o mérito absoluto, porque este significaria a perfeição é, porém, aceitável que, num possível enquadramento relativo, lhe assista o direito à recompensa; de igual forma, quanto ao demérito, é indubitável que a pessoa demeritosa se sujeite às consequências punitivas dos atos que praticou, com violação de normas legais, éticas e deontológicas, inclusivamente, fora do âmbito das suas funções, porque ele deverá ser sempre um exemplo para a sociedade.

Como grande princípio, deve o agente policial ter o hábito de: agir em conformidade com o dever, adquirido pela repetição frequente de atos moralmente bons; obedecendo com inteligência, amor e energia; uma conduta exemplar no sentido de se esforçar por ser um autêntico modelo de virtude, de boas-práticas e de atos meritórios, a fim de melhor intervir junto da sociedade.

Quanto aos seus deveres específicos, o agente da Autoridade Policial tem, obviamente, que se cingir ao estatuto disciplinar e código deontológico que, logo no início da sua carreira, deles deve tomar conhecimento e que em relação aos quais jurou cumprir.

A Deontologia reporta-se ao estudo dos deveres profissionais, definidos pela situação profissional. A função do agente policial está, desde logo, bem definida na Constituição da República, para além de outros deveres específicos consagrados nas leis ordinárias, objetivamente: Estatutos, Regulamento de Disciplina e Código Deontológico e toda a legislação em vigor aplicável.

Assim, de entre os deveres específicos do agente policial, merecem destaque: aqueles que se prendem com a vigilância do cumprimento das leis, na melhor ordem e disciplina, com observância da decência e tranquilidade, do aprumo e da correção, da polidez e convivialidade, do sigilo profissional, não divulgando fatos da vida privada dos cidadãos que deles tenha tido conhecimento, no exercício das suas funções; informar com verdade e lealdade os seus superiores hierárquicos, sobre todos os assuntos de serviço, incluindo aqueles que digam respeito à sua carreira profissional; não se valer da sua posição para reivindicar regalias que por lei lhe estão vedadas; ser solidário para com os seus superiores hierárquicos, colegas de igual categoria ou subalternos e, de uma maneira geral para com os cidadãos carentes do auxílio policial; finalmente, procurar instruir-se a todos os níveis, com o objetivo supremo de melhor exercer as suas funções: ao nível técnico, democrático e humano, para assim dignificar e prestigiar a corporação a que pertence. Aliás, seguindo o conceito moderno que está a ser implementado noutras atividades profissionais: aprender ao longo da vida.

Para um agente policial é crucial a sua permanente atualização: quer em termos da legislação; quer no saber conviver com as situações que a sociedade complexa diariamente lhe coloca. Seria impensável um agente da Autoridade Policial atuar em violação da Lei e contra os Direitos Humanos dos cidadãos.

Neste tempo “pandémico”, em que milhares de profissionais de saúde, forças armadas e de segurança, autarquias, bombeiros, cidadãos voluntários, que ajudam no que podem e sabem, todos estão da denominada “linha da frente”, embora uns mais expostos do que outros: médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico, assistentes operacionais,  que lidam com os doentes, diariamente, e, muitos profissionais, acabam, também eles, por serem infetados, transmitindo às próprias famílias a doença e, mais ainda, muitos destes “heróis”, desta linha da frente, sucumbem à doença.

Algo mais, as entidades competentes têm o dever de fazer em consonância, para a salvaguarda do maior número possível de pessoas infetadas pelo COVID-19, como ainda por aqueles cidadãos, com diversas patologias que aguardam há longos meses, uma intervenção do Serviço Nacional de Saúde, porque, efetivamente, “ninguém pode ficar para trás”, embora se assista, quase diariamente, que muitas destas pessoas, acabam por falecer, nas suas próprias residências, precisamente, porque, afinal, “ficaram mesmo para trás”, por falta de assistência médica, medicamentosa ou intervenção cirúrgica atempada.

Atualmente, é fundamental disciplinarmos os nossos corações para o bem, para a ajuda a quem mais necessita, para atendermos a quem solicita o nosso apoio, a nossa amizade, a nossa presença, a nossa benevolência, o nosso perdão.

Aproveito para vos desejar: Um Santo e Feliz Natal, com verdade, com lealdade, com reciprocidade, se possível, com gratidão, seja no seio da família, seja com outras pessoas, com aquela amizade de um sincero «Amor-de-Amigo», com um sentimento de tolerância, de perdão e muito reconhecimento para com todas as pessoas que, ao longo da minha vida, me têm ajudado, compreendendo-me e nunca me abandonando. É este Natal que eu desejo festejar com muita alegria, pesem embora as atuais restrições e condicionalismos, impostos por uma pandemia cruel e mortífera.