Fidelização a Valores, a Sentimentos e a Amigos

Opinião de Diamantino Bártolo
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Numa sociedade, que cada vez mais parece, que se move por objetivos materiais, é aceitável que não se descure o concreto da vida: verifica-se que, as dimensões mais subjetivas, inefáveis e nobres, como que são relegadas para um segundo plano, senão mesmo ignoradas e/ou esquecidas; admite-se, por compreensão e generosidade, que as preocupações de ordem material são tão evidentes que as pessoas, mesmo sem querer, desvalorizam quase tudo o que não lhes proporciona conforto material, poder, influência, notoriedade, prestígio e domínio sobre os seus semelhantes.

Atualmente, fala-se muito, até em termos empresariais e comerciais, em fidelização, por forma a consolidar clientes e fornecedores, os quais são, nominalmente, inscritos numa lista de pessoas/base de dados, a contactar e a saudar em épocas e dias natalícios, ou seja: ter consideração, estima e atenção, ainda que à mistura com alguma intenção negocial. É sempre muito positiva a sensibilidade manifestada, no sentido de um bom relacionamento entre pessoas e instituições, no respeito, obviamente, pelos diferentes, legítimos e legais interesses que assistem individualmente a cada pessoa.

Fidelizar valores, sentimentos e amigos é um processo bem mais difícil e complexo, porque são dimensões da vida humana que, aparentemente, segundo a ótica dos mais materialistas, não traz quaisquer benefícios, para prossecução de objetivos de vida, suportados pelo: predomínio, mando, celebridade e auréola pública de grandeza, de resto, muitas pessoas apenas pensam, e tudo fazem, com um certo pragmatismo racional e intencionalmente lucrativo.

Algumas reflexões têm sido publicadas, desejavelmente, no âmbito das Ciências Sociais e Humanas, abordando diversas temáticas: quer de natureza pragmático-racional, político-ideológica, ético-moral, cívico-institucional; quer na perspetiva mais pessoal, aqui nos contextos metafísico, religioso, espiritual e axiológico. São conhecidas as posições sobre tais matérias, mas nunca é demais revisitar certas dimensões da vida humana, numa sociedade tão heterogénea, quanto difícil e complexa.

Pauta-se muito a vida por objetivos mensuráveis. Avaliam-se as pessoas, mais pelo “Ter” e não tanto pelo “Ser”. Importa muito o que é medível, quantificável, materialmente objetivo. Fica-se com a sensação de que, por vezes, os meios até justificam os fins, por muito nocivos que estes sejam, para os nossos semelhantes e para a sociedade.

Algumas vezes, somos levados a pensar que se vive como que a “fugir do tempo, da vida e do mundo” e, a dado passo, parece que vale tudo para se conseguir o que desejamos, mesmo que isso seja ilegal, injusto e prejudique terceiros. A tão apregoada e moderna “Filosofia de Vida” assenta no “eu”, sempre “eu” e só “eu”. Tudo deve girar à volta do meu egocentrismo. O nós, é pouco importante.

Em tempos de crises, porque podem ser de diversa natureza, amplitudes e coexistirem, pensar-se-á que o principal objetivo se relaciona com a melhor sobrevivência possível, já que as dimensões axiológica e sentimental não resolvem o problema do desemprego, da miséria e da fome, muito embora se considere que a vida não é apenas material, porque existe, provavelmente, a componente espiritual, mais subjetiva, sentida de formas e intensidades diferentes por cada pessoa, em distintas circunstâncias da existência humana.

A fidelidade, enquanto atitude que pressupõe comportamentos idóneos, de total lealdade a determinados princípios, valores, pessoas, situações e projetos íntegros, reveste-se de grandes dificuldades, principalmente para quem pretende seguir uma vida de firmeza, de respeitabilidade consigo próprio e para com as restantes pessoas, sem abdicar do que considera ser correto, educado, gentil, legítimo, legal e justo.

Assumir, portanto, a responsabilidade da adesão prática e consolidação de um comportamento fiel aos valores que selecionamos, para orientação da nossa vida, e de relações saudáveis, que queremos desenvolver neste mundo, de facto, comporta uma determinação e exigência que não estarão ao alcance de qualquer pessoa, porque reivindica rigor, verticalidade, firmeza na defesa dos valores que adotou, como ideais de vida.

Hoje em dia, sucede com alguma frequência e facilidade, as pessoas mudarem de posição, em diversos domínios da existência humana: político, religioso, profissional, familiar, entre outros. Certamente que as mutações são próprias, de quem não tem pensamentos fechados e dogmáticos, ideias fixas e, pelo contrário, se mostra aberto a novas situações, projetos e pessoas.

O mundo desenvolve-se em permanentes mudanças. A evolução: científica, tecnológica, cultural e também religiosa acontece, porque vai havendo alteração de protótipos, novas interpretações da realidade, face à investigação que se aprofunda, em todos os domínios do conhecimento. Caminha-se, irreversivelmente, para o paradigma da globalização.

A mudança pode, e muitas vezes acontece, implicar rutura, parcial ou total, com alguma situação que se mantinha, desde há mais ou menos, tempo, inflexivelmente, estereotipada, dogmatizada. A vida não é estática, bem pelo contrário, o desenvolvimento humano assenta em grande dinamismo, por isso, em muitos domínios do conhecimento, o que ontem era verdade, hoje, pode ser falsidade. Mas tudo tem limites e estes devem ser religiosamente respeitados.

A fidelização a valores é uma virtude humana, uma atitude que não pode mudar, sem uma fortíssima e verdadeira razão, que a não ser tida em conta, pode colocar em perigo outros interesses e valores mais importantes, sendo certo que também há uma grande influência na hierarquização axiológica: em função de uma cultura; de uma civilização; e da mudança evolutiva das circunstâncias que justificam uma tal alteração comportamental.

Partindo-se, então, da aceitação da mudança, na continuidade da fidelização a determinados princípios, valores, sentimentos e amigos, importa destacar que: quando se assume um compromisso, é para se cumprir integralmente; quando se adotam certos valores, eles devem ser exercidos até à exaustão; quando se manifestam sentimentos, perante alguém ou connosco, eles devem ser respeitados; quando elegemos esta ou aquela pessoa como nossa amiga, deveremos ter fundamentos para o fazer; finalmente, quando somos nós a querermos ser amigos de alguém, devemos honrar esta amizade com: solidariedade, lealdade, consideração, cumplicidade, carinho e reciprocidade.

É inqualificável a prática de quaisquer atitudes de infidelidade aos nossos: valores, sentimentos, emoções e amigos. Se chegamos à conclusão de que um determinado valor, não se ajusta, e/ou é incompatível com algum sentimento, teremos de fazer opões, mas não podemos assumir contradições.

O mesmo vale em relação aos nossos amigos, isto é: quando oferecemos, generosamente, a nossa amizade, os nossos sentimentos, a nossa entrega incondicional a uma pessoa, deveremos ser fiéis à nossa decisão, pelo menos enquanto verificarmos que somos correspondidos e, quem aceita esta nossa dádiva, deve respeitá-la incondicionalmente, reforçar todos os valores, sentimentos e emoções, numa total e desejada reciprocidade.

Hoje, há quem troque de princípios, de valores, de sentimentos e de amigos como quem “muda de camisa”. Deixamo-nos influenciar, seduzir por interesses, pessoas e projetos que, oportunisticamente, se nos colocam, e que nós, deslealmente, para com outros valores, amizades, sentimentos e amigos, com os quais nos comprometemos a respeitar, rapidamente aceitamos, desprezando tudo o que foi conseguido, com muita deferência, consideração, carinho e amor.

Atualmente, a nossa consciência parece cada vez mais volúvel, inconstante e interesseira. Damos o dito pelo não dito, manifestamos, sem quaisquer escrúpulos nem pudor, a nossa ingratidão para com quem sempre nos apoiou, nos quis bem, só porque, entretanto, novos “cantos de sereia” encheram de música celestial os nossos ouvidos, intrometendo-se nas nossas vidas, com uma oferecida oportunidade, para qualquer coisa diferente, que se nos colocou perante nós, mesmo sem sabermos quais os objetivos que poderão estar por detrás.

Hoje, talvez como sempre, não é fácil sermos fiéis aos nossos princípios, valores, sentimentos e amigos, porque nos falta coragem, idoneidade, gratidão, respeito, consideração e estima para assumirmos a solidariedade, a amizade, a lealdade e, traiçoeiramente, como que “apunhalámos”, pelas costas, os valores universais, os sentimentos mais puros que os nossos amigos, ao longo do tempo, nos concederam generosamente.

É possível que, atualmente, se viva a cobardia dos interesses, da hipocrisia, do impudor e da ingratidão. Lutemos pela nossa dignidade, pelo nosso amor-próprio, pelo nosso justo e equilibrado orgulho, pela fidelidade aos valores, sentimentos, emoções e amigos verdadeiros do coração.

Defendamos com dignidade os nossos “amigos especiais”, reforcemos o nosso “Amor-de-Amigo”, para com aqueles que têm idênticos valores, sentimentos e emoções para connosco. Levemos a fidelidade e a solidariedade ao limite das nossas convicções e não enveredemos por duplas e dúbias posições.