Mundos que o Homem Transporta

Opinião de Diamantino Bártolo
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Considerar-se-á, ao longo deste trabalho, uma complementaridade solidária entre Filosofia e Ciência, esta no âmbito das Ciências Sociais e Humanas, com relevância para as Ciências da Educação, com o objetivo de sensibilizar não só entidades e instituições, como também os cidadãos individualmente considerados, para a pertinência e vantagens na apreensão, desenvolvimento e consolidação dos conhecimentos teóricos e práticos que ao longo da vida todos têm que ir adquirindo. Também o homem tem de proceder à sua própria globalização interna, estruturando-se e adaptando-se aos novos tempos, destes novos século e milénio que, apesar de tudo, se desejam de felicidade.

A indiferença que alguns setores, mais renitentes à mudança, ainda manifestam, deve ser substituída por uma abertura ao mundo global, de forma a facilitar o melhor aproveitamento das sinergias dos tecnocratas positivistas e dos pensadores idealistas.

Positivismo científico e subjetivismo filosófico, não são incompatíveis e, a moderá-los, envolver-se-ão as Ciências Sociais e Humanas na interdisciplinaridade com as Ciências da Educação: umas com mais objetividade e rigor quantitativo; outras com menor objetividade, mas maior rigor qualitativo.

O homem transporta em si três mundos: o material, com todo o peso da natureza; o imaterial com a profundidade dos seus sentimentos, emoções e personalidade própria e o artificial resultante de tudo quanto ele vai construindo. O novo cidadão saberá edificar um mundo artificial, mais verdadeiro e mais justo.

A construção deste novo mundo artificial, em nada prejudica as realidades concretas, visíveis e palpáveis que a todos envolvem e, nem sequer menoriza a Natureza circundante, da qual o próprio homem também é parte integrante.

Este mundo, o artificial, construído com a inteligência e habilidade humanas, permitirá ao cidadão, adaptar a própria Natureza, e muitos dos seus elementos às necessidades humanas, o que implica, por parte da sociedade: uma predisposição para novos princípios e valores; novos rituais, formas de vida e paradigmas, sem que isso interfira numa eventual e hipotética perda de dignidade, bem pelo contrário, quanto mais o homem inovar e produzir, tanto melhor poderão ser a sua qualidade e nível de vida.

 Por tudo isto, filósofos e cientistas da educação, estudiosos das coisas imateriais, defendem neste trabalho: a imprescindibilidade do contributo da Ciência; a indispensabilidade da eficácia da técnica e da tecnologia, na formação deste novo cidadão; porque, pese, embora, uma cada vez maior fragmentação da Ciência, na verdade o que acontece é que a sociedade tem de estar preparada para conjugar os conhecimentos em função dos objetivos que pretende atingir, na medida em que: «Construir sociedades abertas à inovação é o caminho certo para responder ao desafio da globalização. A inovação é o facto que permite pôr o conhecimento ao serviço do desenvolvimento, sem a inovação o conhecimento tende para a esterilização. Uma sociedade que não está desperta para a inovação, não só perde o seu capital de saberes e de experiências, como tende a perder os seus recursos humanos mais qualificados.» (MARTINS, 2003:14).

A par de todo o processo de globalização em curso, das dinâmicas da inovação e da racional e equilibrada aplicação dos conhecimentos e experiências, caminharão, igualmente e em interdisciplinaridade, todo um conjunto de princípios, valores, sentimentos e comportamentos que integram as diversas culturas.

Insistir em: separações epistemológicas, discriminações negativas, secundarização de conhecimentos e experiências não validados academicamente em benefício dos que são adquiridos, exclusivamente, pela via universitária; assumir posições que humilham homens perante outros homens, recorrendo a comportamentos arbitrários por causa da raça, sexo, etnia, cultura ou quaisquer outros argumentos, parece que são estratégias ultrapassadas e inaceitáveis, porque: «O nosso dever é o de afirmar que não existem raças mas seres humanos; que o ódio racial é um dos mais terríveis flagelos da humanidade; que a expressão mais violenta do ódio racial foi o estado hitlerista; que a aparição de uma suástica é uma sombra da morte. Cabe aos homens de boa-vontade cancelá-la, num pacto de solidariedade.» (LAFER, 2003:12).  

O cidadão do futuro que se deseja “arquitetar”, será um dos homens de boa-vontade e, nesse sentido, preparar-se-á com total empenhamento, responsabilidade e competência, canalizando todos os seus conhecimentos, experiências e sensibilidade para os valores consagrados numa democracia de verdadeira cidadania, onde cada cidadão exercerá os seus direitos e cumprirá com os inerentes deveres, sem perder de vista os valores do progresso, do desenvolvimento, do bem-estar da sociedade, onde cada vez haja mais lugar à inclusão: social, política, religiosa, económica, profissional, cultural e universal, para que todos possam beneficiar da Paz, da Justiça, da Educação, da Solidariedade, da Tolerância, da Segurança e da Democracia.

 Uma sociedade onde não haja mais lugar aos linchamentos públicos por força dos pensamentos, convicções, ideologias político-partidárias, religiosas e outras, que cada um tem o direito de professar. É este o cidadão global que se deseja para o mundo deste novo século XXI, desde logo a desenvolver-se a partir dos espaços luso-brasileiro, lusófono e ecuménico. Um cidadão de valores, de crenças, de convicções, de trabalho e de autoestima. Um novo e respeitável cidadão do mundo.

Pretende-se, obviamente, denunciar a situação do ainda não exercício pleno da cidadania, em muitos locais do mundo, aqui concetualizada como conjunto de deveres e direitos dos cidadãos, assumidos responsavelmente. Este é que é o verdadeiro problema, para se apontar, ao longo da vida e algumas soluções que se julgam não só exequíveis como também desejáveis.

Temática central assente na educação para a cidadania, à qual responde, de forma inovadora, uma possibilidade real, ainda que demorada, da “estruturação”, no sentido da educação e formação, de um novo cidadão, através da invocação, o mais exaustiva possível, de um outro cidadão, pretensamente luso-brasileiro, cuja vida, princípios e valores se podem considerar modelares, não obstante, e à sua época, os problemas serem diferentes, alguns deles, porém, mantêm a atualidade, neste início de século. Falamos de Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846), filósofo, professor, diplomata, jurista e cidadão do mundo.

Finalmente, não se perderá a dimensão religiosa do homem que, quer se acredite, ou não, está, intrinsecamente, em todos e em cada um, com a diferença de que: muitos, apercebem-se dela e a usam; outros, a sentem, mas, preconceituosamente, não a querem demonstrar; por fim, aqueles que não tiveram a possibilidade de sobre ela refletir e, pura e simplesmente, a negam e recusam.

Independentemente das crenças e convicções de cada um, a verdade é que: «A religião é um fenómeno pessoal e social de grande relevância que pode ser abordado desde as mais diversas perspectivas, incluindo as ciências humanas…» (OLIVEIRA, 2005:453).

Bibliografia

FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1834a) Manual do Cidadão em um Governo Representativo. Vol. I, Tomo I, Introdução António Paim (1998b) Brasília: Senado Federal.

FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1834b) Manual do Cidadão em um Governo Representativo. Vol. I, Tomo II, Introdução António Paim (1998b) Brasília: Senado Federal.

FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1834c) Manual do Cidadão em um Governo Representativo. Vol. II, Tomo III, Introdução António Paim (1998b) Brasília: Senado Federal.

FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1836) Declaração dos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão. Paris: Rey et Gravier,  

LAFER, Celso (2003) “O Supremo Tribunal Federal e o caso Ellwanger”, Apud Norberto Bobbio in O Mundo em Português, S. João do Estoril: Principia, Publicações Universitárias e Científicas, 49-outubro, 11-13,

MARTINS, Álvaro, et al. (2003). Estudo sobre o Impacto das Novas Tecnologias da Informação na Criação e supressão de Emprego, Lisboa: Observatório do Emprego e Formação Profissional, /I.E.F.P. – Instituto do Emprego e Formação Profissional.

OLIVEIRA, Carlos Barbosa, (2005). “Protocolo de Quioto: Um Desafio à Inovação” in Dirigir. Lisboa: IEFP – Instituto do Emprego e Formação profissional, Nº 90, Mar.abr.2005, pp.32-39


([1]) A este propósito se referiu o Presidente da República Portuguesa, Dr. Jorge Sampaio, no colóquio realizado na Fundação Calouste Gulbenkian: «É necessário investir fortemente na formação ao longo da vida, para termos cidadãos responsáveis». (Noticiário da Antena l, das 12 horas de 12/12/2005)