Orelhas, o lobito

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Pode ser uma imagem de grande felino e natureza

“Numa bela manhã de finais de julho, o calor era insuportável. Depois de estar a acompanhar uma alcateia há bastante tempo, apercebo-me que toda ela se estava a deslocar constantemente para uma determinada zona durante escassos minutos e os lobos saiam de lá todos molhados.

Até aqui, era óbvio que iam beber e tomar um banho para refrescar, mas intrigava-me o porquê de não o estarem a fazer no local habitual e terem que se deslocar mais que o normal com o calor que se fazia sentir. Passam uns dias e continuavam com a mesma conduta. Cada vez mais intrigado, no final de um desses dias resolvi espreitar a nascente de água da linha principal de uma corga abrupta que normalmente é riquíssima em água, onde esta família decidiu ter as suas crias este ano. Quando cheguei confirmava aquilo que mais receava, em finais de julho a nascente tinha secado e já não apresentava nem sinais de humidade.

Não é segredo que este ano estão muitas nascentes, rios principais e furos de água particulares a secar, nos últimos anos tem secado e este ano secaram como nunca antes se registou. Segundo o IPMA, em finais de julho 67,9% do território estava em seca severa, 28,4% em seca extrema. Quando acompanho durante temporadas alguma família ou grupo de animais tenho tendência a dar-lhes nomes por características físicas ou de comportamento.

Este é o orelhas, não porque tem umas orelhas grandes, mas sim porque as tem coladas e hirtas praticamente todo o tempo, o que o distingue facilmente dos restantes irmãos. É o mais pequeno da ninhada, mas não se deixem subestimar pelo tamanho. O mais activo, aventureiro, curioso e independente, este lobito com apenas dois meses de idade explora as imediações do covil, sozinho e bem longe da área usada pelos seus irmãos. Numa destas manhãs, enquanto seguia atento todos os movimentos da alcateia, vejo o orelhas afastar-se sozinho para ir beber. Passados uns largos minutos lembro-me que o orelhas não tinha regressado, lá foi dar mais uma volta das dele, pensei eu.

Distraído a registar os momentos que o grupo me proporcionava à distância, paro por breves segundos para observar o meu redor e encontro o orelhas nesta posição, tranquilo a presenciar os mesmos momentos que eu. Apesar das consequências desta seca que ultrapassamos e que cada vez será mais severa, molhado e de sede saciada, este lobito exibe uma expressão inocente e despreocupada com o futuro.”

Carlos Pontes é natural de Ponte da Barca e Investigador do CIBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos), com principal foco no estudo do Lobo Ibérico.
Dedica a vida aos lobos no Parque Nacional da Peneda-Gerês, tendo-se destacado pelas inúmeras fotografias que partilha nas redes sociais.

FOTO: Cria Lobo ibérico (canis lupus signatus)
PN Peneda-Gerês © Carlos Pontes