
Na verdade: «A federalização é uma solução possível apenas quando os membros dos grupos étnicos e mundos culturais diferentes vivem em áreas geográficas mais ou menos separadas. Em sociedades multiculturais como os EUA não é esse o caso. Nem será em países como na Alemanha, onde a composição étnica está a mudar sob a pressão de ondas de imigração globais. Mesmo que o Quebec se tornasse culturalmente autónomo, deparar-se-ia com a mesma situação, tendo apenas trocado uma cultura inglesa maioritária por uma francesa.» (HABERMAS, in: TAYLOR:145).
Mas retornando a Habermas, ele desenvolve o seu pensamento acerca deste ponto, defendendo que: «A identidade do indivíduo está entrelaçada com as identidades colectivas e pode ser estabelecida apenas numa rede cultural que não pode ser apropriada enquanto propriedade privada mais do que a língua mãe. (…). Em sua defesa, culturas indígenas em perigo avançaram razões morais especiais que surgem da história de um país que foi apropriado pela cultura maioritária. Argumentos semelhantes a favor da discriminação contrária podem ser avançados para as culturas reprimidas e desaprovadas dos primeiros escravos.» (Ibid.:146).
«Neste ponto ajuda relembrar as muitas subculturas e mundos de vida que florescem na antecipada Europa moderna com a sua estratificação ocupacional, ou as formas de vida dos trabalhadores rurais e as massas urbanas proletarizadas, da primeira fase da industrialização que os originou.(…) Mesmo uma cultura maioritária que não se considere ameaçada preserva a sua vitalidade apenas através de um revisionismo desenfreado, procurando alternativas para o status quo ou integrando impulsos estranhos – até mesmo ao ponto de quebrar as suas próprias tradições. (…). Nas sociedades multiculturais a coexistência de formas de vida com direitos iguais significa garantir a cada cidadão a oportunidade de crescer dentro do mundo de uma herança cultural e garantirem aos seus filhos crescerem nele sem sofrerem discriminação.» (Ibid.:149)
«… a substância ética de um patriotismo constitucional não pode prejudicar a neutralidade do sistema legal vis-à-vis comunidades que estão eticamente integradas num nível subpolítico. (…) A neutralidade da lei vis-à-vis diferenciações éticas tem origem no facto de que nas sociedades complexas o todo dos cidadãos não mais pode ser sustentado por um consenso real de valores. (…). Os cidadãos que estão politicamente integrados neste sentido partilham a convicção racional que a liberdade de comunicação desenfreada na esfera pública política, um processo democrático para estabelecer conflitos, e o transporte constitucional de poder político fornecem uma base para inspeccionar o poder ilegítimo e assegurar que o poder administrativo é usado no interesse igual de todos.» (Ibid.:151-152).
«Os filósofos evitam a pressão decisionista dos peritos legais e enquanto contemporâneos de ideias clássicas que se estendem por mais de dois mil anos, não se embaraçam ao considerarem-se participantes de uma conversa que durará para sempre. Por isso é muito fascinante quando alguém como Charles Taylor tenta compreender as ideias do seu próprio tempo e mostrar a relevância de critérios filosóficos para as prementes questões políticas quotidianas.» (Ibid.:152).
«Os países Europeus Ocidentais… irão fazer o que puderem para impedir a imigração dos países do terceiro mundo. Para este fim, irão garantir vistos de trabalho a pessoas com capacidades de relevância imediata para a sociedade em casos altamente excepcionais apenas (jogadores de futebol, especialistas americanos de software, estudantes da Índia, etc.). Irão combinar uma política de entrada bastante restrita… (…). A conclusão é que irão individual e conjuntamente usar todos os meios ao seu dispôr para parar a maré.» (Ibid.:153).
«Um estado democrático constitucional que é sério sobre a separação destes dois níveis de integração só pode exigir dos emigrantes a socialização política (a) descrita acima (e podemos esperar que isto aconteça apenas na Segunda geração). (…) De acordo com isto, tudo o que se espera dos imigrantes é a vontade de entrarem na nova política da sua nova pátria, sem terem de desistir da sua forma de vida cultural anterior ao assim agirem. O direito à auto-determinação democrática inclui de facto o direito dos cidadãos de insistirem no carácter inclusivo da sua própria cultura política; salvaguarda a sociedade do perigo da segmentação – de exclusão das subculturas estranhas e de uma desintegração separatista em subculturas não relacionadas.» (Ibid.:156).
«Há boas razões morais para o direito legal individual ou azilo político (…) que devem ser interpretados relativamente à protecção da dignidade humana… (…). Considera-se uma pessoa refugiada aquela que foge de um país onde a sua vida ou liberdade estivesse ameaçada devido à raça, religião, nacionalidade, membro de um grupo especial específico ou de uma opinião política. (…) esta definição precisa de ser alargada de um modo a incluir a protecção das mulheres contra as violações. (…). É contra a imigração das regiões Leste e Sul depauperadas que o chauvinismo europeu se está agora a armar.» (Ibid.:157).
«A obrigação de fornecer ajuda surge das crescentes interdependências de uma sociedade global que se tornou tão confusa através do mercado mundial capitalista…(…) seguidamente, desenvolvem-se deveres especiais sobre o Primeiro Mundo como resultado da história da colonização e do extermínio das culturas regionais devido à incursão da modernização capitalista. (…). Estas e outras questões morais relacionadas que poderiam ser dadas não justificam, seguramente, a garantia de direitos individuais legais accionáveis para a imigração, mas justificam a obrigação de ter uma política de imigração liberal. (…) A base legal para uma política de imigração liberal também dá origem a uma obrigação de não limitar as quotas de imigração às necessidades económicas do país recipiente, isto é, de receber com agrado os peritos técnicos, mas de estabelecer quotas de acordo com os critérios aceitáveis da perspectiva de todas as partes envolvidas.» (Ibid.:159).
«1º) Os regulamentos fornecidos pelo acordo limitam-se ao asilo político, isto é, a medidas dirigidas directamente contra os abusos do direito ao asilo. Ignoram o facto de que a Alemanha necessita de uma política de imigração que assegure aos imigrantes outras opções legais. (…)
2º) Em vez de simplificar a situação para os estrangeiros já residentes na Alemanha, especialmente os trabalhadores convidados, a quem recrutamos para adquirir cidadania, o compromisso ao asilo deixou as leis de naturalização inalteradas. A dupla cidadania preferida por estes estrangeiros é-lhes negada; mesmo os seus filhos que já nasceram na Alemanha não recebem automaticamente os direitos de cidadão. Os estrangeiros que estejam dispostos a renunciar à sua cidadania anterior só podem ser naturalizados depois de viverem na Alemanha pelo menos quinze anos. (…)
3º) A política Alemã sobre o asilo político depende da premissa repetidamente reafirmada que a Alemanha não é um país de imigração.» (Ibid.:160-161).
A complexidade alemã é ainda mais acentuada pelo facto da reunificação se ter verificado através de um processo administrativo manipulado que colocou o país “num mau caminho”. (cf. Ibid.: 160-161). E Habermas concluiu a sua análise: «Hoje, o que está em jogo é adaptar o papel político alemão às novas realidades sem deixar o processo de civilização da política levado a cabo até 1989, altura em que foi interrompido pela pressão dos problemas económicos não sociais da unificação, e sem sacrificar os efeitos normativos de um auto – entendimento nacional que já não se baseia na etnicidade mas sim na cidadania.» (Ibid.:164).
Como resolver este problema do reconhecimento dos direitos que assistem às alegadas minorias? Certamente que não haverá receitas milagrosas e, seguramente que não será um simples e imperfeito aprendiz de filósofo ou um professor imperfeito como se considera a si próprio o autor deste trabalho que terá condições para solucionar tão complexa situação, o que não invalida que, sujeitando-se à crítica, sugira algumas ideias sobre este assunto: a) Em vez do afloramento disperso pelas várias disciplinas curriculares de alguns cursos, a instituição de uma educação cívica humanista, talvez uma centralização numa só disciplina, desta matéria sobre os direitos humanos; b) Por que não a criação de pequenos cursos, tipo complementar, ao 9º, 12º anos e no final das licenciaturas, obrigatoriamente para todos os alunos, sobre direitos humanos e educação cívica? Valores humanos?
Numa certa perspectiva: «Os estabelecimentos de ensino superior, como é o caso de Princeton, tornaram-se eles próprios comunidades cada vez mais pluralistas. (…). As questões éticas do nosso tempo constituem um desafio para qualquer universidade empenhada numa missão pedagógica que engloba mais do que o desenvolvimento e divulgação do conhecimento empírico e das técnicas. (…) Através do seu apoio ao ensino, à pesquisa e à discussão pública o centro universitário (eu diria os nossos centros universitários se os houvesse para os valores humanos), incentiva o estudo sistemático dos valores éticos e das influências recíprocas da educação, da Filosofia, da Religião, da Política, das profissões, das artes, da literatura, da ciência e da tecnologia e da vida ética. (…) Se as Universidades ( e as escolas em geral, acrescentaria o autor deste trabalho, porque é seu entendimento que a nível das Escolas do 3º. Ciclo e do Secundário, poderiam na sua estrutura curricular, incluir um módulo específico sobre os Valores e Direitos Humanos, a ser leccionado, por licenciados em Filosofia) não se empenharem em executar ao máximo a nossa reflexão individual e colectiva sobre os valores humanos, então quem o fará?” (GUTMANN in: TAYLOR 1998:15-16).
Bibliografia
GALTUNG, Johan, (1994). Direitos Humanos – Uma Nova Perspectiva. Tradução, Margarida Fernandes. Lisboa: Instituto Piaget.
TAYLOR, Charles. (1998). Multiculturalismo, Tradução, Marta Machado. Lisboa: Instituto Piaget.