Saber escutar, também é amar.

Opinião de Diamantino Bártolo
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O relacionamento humano, verdadeiramente sentido, assente em princípios, valores, sentimentos e emoções, é tanto mais profícuo quanto melhor se desenvolver o contacto com quem se deseja conviver, precisamente, a partir de atitudes de respeito, amabilidade, generosidade e atenção máxima, prestada à pessoa que pretendemos para o nosso convívio, de acordo com o contexto em que a relação se desenvolve, sendo certo que a escuta ativa, interessada e reciprocamente partilhada, será sempre um bom começo de conversa e relacionamento duradouro.

É verdade que a consideração e a estima por alguém, com quem se ambiciona iniciar, desenvolver e consolidar uma relação leal, ou manter e consolidar uma já existente, revelam respeito e também carinho, o que facilita o aprofundamento de uma saudável cumplicidade que, balizada naqueles e noutros valores, manter-se-á, praticamente, indestrutível.

É muito importante dar-se a oportunidade para que alguém possa confiar em nós, demonstrar que somos sóbrios, rigorosos e credíveis, o que se consegue através de uma postura de total entrega, de compreensão e de sigilo de tudo quanto nos é confiado. São uma ética e uma deontologia da amizade.

Sabendo-se que é cada vez mais difícil, conquistar-se e garantir uma amizade sincera, e que depois de a conseguir as manifestações de reconhecimento, de gratidão e dádiva devem ser permanentes, isso implica, de facto, estar-se disponível para prestar todo o apoio, de qualquer natureza, revelar por pensamentos e ações preocupações pelo bem-estar da pessoa com quem desejamos uma boa relação de convivência, a todos os níveis.

Acredita-se que é possível construir uma relação que conduza a um elevado nível de colaboração, a uma amizade de tal forma intensa que, cada vez mais, as pessoas, assim envolvidas, revelem o seu amor, também através da escuta atenta e carinhosa, porque: «Escutar é uma forma de amar. É um modo de mostrar ao outro que o que ele diz tem valor, que aquilo que comunica não cai no saco vazio, que tem interesse. (…) Quem ama está, em última análise, disposto a escutar o seu par, os seus filhos, os seus amigos e os seus concidadãos. (…) Amar é render-se completamente ao outro, comprometer-se a ajudá-lo, a fazê-lo crescer, e potenciá-lo em todos os sentidos. Amar é cultivar o bem do outro.» (TORRALBA, 2010:143).

Quem não gosta de ser escutado, com respeito, com atenção, com bondade, com paciência e compreensão? Quem não gosta de confidenciar seus problemas, aspirações, sentimentos, alegrias, tristezas, dor e sofrimento, a uma pessoa em quem possa confiar plenamente, que sabemos ser nossa amiga verdadeira? Quem não gosta de enviar/receber uma palavra de conforto, de estímulo, de gratidão, um conselho sincero, um gesto de carinho, uma promessa de ajuda efetiva, um ombro amigo, no qual se possa descansar com segurança?

Onde está a pessoa que, amavelmente, permaneça disponível para nos escutar e orientar, quando estamos desalentados, quando somos rejeitados, discriminados, humilhados nos nossos mais nobres e límpidos sentimentos para com outra pessoa, que até a tínhamos por nossa amiga?

Pensa-se que o diálogo aberto, sem complexos nem inibições, sem reservas, com aquelas pessoas que ao longo do tempo se mostraram verosímeis e confiáveis, será o caminho a seguir para que exista um relacionamento interpessoal sério e frutuoso.

O melhor diálogo, sem dúvida alguma é a escuta ativa e alternada, porque em bom rigor: «Encontrar uma pessoa que sabe escutar as outras é algo maravilhoso. Sem percebermos exatamente a razão, desejamos estar com ela todo o tempo possível. Agrada-nos poder explicar calmamente o que temos no coração, previamente seguros do silêncio e da confiança do outro. É uma felicidade quando somos escutados com atenção, sem azedume nem vontade fiscalizadora.» (Ibid.:11).

Quantos problemas não se resolvem, quantos conflitos deflagram, quantos mal-entendidos se criam e quantas represálias, difamações, ódios, vinganças se desenvolvem, por não sabermos escutar quem deseja conversar connosco, desabafar uma situação incómoda, confidenciar um segredo, pedir um conselho mais íntimo, receber uma palavra de ânimo, perante uma situação de infortúnio, de doença, de infelicidade?

Quantos alegados diálogos se iniciam e, logo de seguida, se interrompem ou terminam, precisamente, porque toda a gente quer falar ao mesmo tempo, colocar as suas ideias em prática, considerando-as melhor do que as dos outros e, ainda, porque, frequentemente, não existe a humildade e o bom-senso, de escutar primeiro os outros.

Há uma tendência muito negativa para ostentarmos as nossas pseudo-verdades, para exibirmos os nossos dotes, quantas vezes de pura “vaidade narcisista e balofa” de, a todo o custo, impormos, até com alguma arrogância, os nossos “superiores e atualizados” conhecimentos e não concedemos espaço e tempo, para que os nossos semelhantes tenham a oportunidade de divulgar os seus pontos de vista.

Esta terrível tentação, de tudo querermos dizer, como se só nós fossemos importantes, e tivéssemos as ideias e realizações mais brilhantes do mundo, os maiores e inigualáveis sucessos, revela, afinal, uma total falta de respeito pelos outros, uma inaceitável falta de consideração e de estima, no limite, manifesta não ter qualquer tipo de amizade ou mesmo alguma condescendência pelo direito à palavra, que toda a pessoa tem.

Por razões diversas, certamente justificáveis e verdadeiras, acontece, designadamente, numa situação que já se tornou recorrente em muita boa gente, e que também revela inqualificável desconsideração, quando, por exemplo, uma pessoa está a conversar com outra e surge uma terceira a interromper, cortando, abruptamente, raciocínios, conclusões e decisões, que seria possível extrair de uma conversa que já estava em curso.

O que é correto, até em termos de boa educação, é saber esperar que lhe seja dada a palavra e, até que esse momento chegue, depois de pedir licença para permanecer e ouvir a conversa em decurso, assumir uma postura de escuta atenta e ativa, no sentido de, quando se proporcionar, emitir o seu parecer, dar a sua sugestão, enfim, participar responsavelmente, na discussão do tema, porque saber escutar, é o melhor diálogo que se pode desenvolver entre pessoas que se querem muito bem, que se respeitam e que se amam, aqui no contexto de um bem definido amor, por exemplo, de um “Amor-de-Amigo”.

A escuta serena, atenta, participativa e leal, seguramente, também conduz à felicidade dos conversadores. Na verdade, saber escutar similarmente é um gesto de humildade, esta, aqui e agora, considerada como: «Uma atitude essencialmente voltada para os outros e para o seu bem-estar. (…). Paradoxalmente, a humildade favorece a força de carácter: o humilde toma as suas decisões consoante o que acha ser justo e assim se mantém, sem se inquietar com a sua imagem ou opinião de outrem.» (RICARD, 2005:169).

Saber escutar é, portanto, um exercício difícil, talvez uma das virtudes mais complexas de se compreender e aplicar na vida prática, mas o certo é que, normalmente, um bom relacionamento, entre duas ou mais pessoas, tem sempre subjacente um comportamento de escuta humilde, ativa, interessada, carinhosa e estimulante para quem tem a necessidade de ser escutado. Consiste na predisposição de ajudar, porque só escutando, com magnanimidade e compreensão, é que se pode interiorizar e entender o que nos está a ser relatado.

Escutar não significa estar indefinidamente calado, durante todo o tempo em que alguém fala para nós, pelo contrário, revela empenhamento da nossa parte para assimilar, corretamente, uma situação, uma informação, uma confidência, e só depois estaremos capacitados para emitirmos uma opinião, darmos um conselho, ajudarmos quem em nós confiou.

Tudo isto é amor, se preferirmos, um amor muito singular, de verdadeiros amigos, porque a amizade sincera não tem parentesco, ela gera-se, desenvolve-se e consolida-se (ou não), entre as pessoas que, quantas vezes, nem sequer se conheciam e que a partir de determinadas situações, passam a ser amigas inseparáveis, em que se juram fiéis amigas para toda a vida.

Aceita-se, sem quaisquer complexos, que se confia muito mais rápida e duradouramente numa pessoa que revela por nós consideração e estima, que aprecia a escuta atentamente as nossas conversas, do que uma outra pessoa, extremamente prolixa que, como se costuma dizer: “fala pelos cotovelos”, que fala por ela e pelos outros, porém, quase sempre, utilizando o auto-elogio, a incessante procura de  notoriedade, protagonismo, porque o seu ego, a sua vaidade, não têm limites.

Tais pessoas, de facto, não sabem, não querem. tudo fazem para não escutarem os outros, porque os problemas destes, para elas, nada significam, por muito dramáticos que sejam, aliás, provavelmente, nem lhes convém escutar, porque assim pensam que se esquivam a dar a sua ajuda, se lhes for solicitada.

Decididamente, estas pessoas, que sempre querem dominar tudo e todas as conversas, muito dificilmente virão a ser amigas verdadeiras, de quem quer que seja, manifestar sentimentos de amor para com o próximo, possivelmente, não os terão, porque saber escutar é amar verdadeiramente a pessoa que escutamos.

Hoje, a preocupação é “parecer”, se possível, “parecer importante”, insubstituível, inimitável. Vive-se muito em função de aparências e para darmos suporte a este tipo de “estratégias”, e/ou mentalidades, monopolizamos as pessoas, seja por algum poder ou ascendente que temos sobre elas, seja pela palavra, utilizando, quase sempre, o pronome pessoal “eu”, mesmo quando se faz parte de uma equipa.

Hoje, as pessoas não são ignorantes, apercebem-se muito bem de certas situações, no decorrer de uma simples conversa, fica-se com uma ideia de quem está a conversar connosco, porque se a pessoa nos escuta mais do que fala, mas com oportunidade, respeito, bom-senso e sobriedade, acompanha a conversa e, sem ênfases fingidos, emite as suas opiniões, então é provável que estejamos perante uma pessoa que sabe conversar e, se assim acontece, essa pessoa manifesta por nós os valores da consideração, da estima, do respeito e da interiorização dos assuntos que se vão abordando.

E se a escuta atenta, ativa, interveniente, parte de um nosso verdadeiro amigo, então poder-se-á afirmar que esse amigo gosta mesmo de nós, que ele nos quer muito bem, que aprecia a nossa companhia, que nele podemos confiar, obviamente, depois dos sinais que ele nos vai dando sobre a sua integridade.

Bibliografia.

RICARD, Matthieu, (2005). Em Defesa da Felicidade. Tradução, Ana Moura. Cascais: Editora Pergaminho, Ldª.

TORRALBA, Francesc, (2010). A Arte de Saber Escutar. Tradução, António Manuel Venda. Lisboa: Guerra e Paz, Editores S.A.