Valores da Filosofia das Luzes

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A idade dá a possibilidade de, pelas experiências vividas, com maior ou menor intensidade, com maior ou menor sucesso, realizar novos projetos e com a ajuda deste trabalho, iniciar, com proveito para a sociedade, mais uma etapa que, apesar de tudo, espera-se longa e profícua: há disponibilidade, estímulos, determinação e, alguma preparação para passar este testemunho, repleto de vivências, atitudes, valores e princípios, aos “atletas” da primeira etapa da vida: os jovens.

Nenhum sistema político-constitucional, nenhum governo, nenhum cidadão, têm o direito de excluir da vida ativa na sociedade, aqueles que, independentemente de terem ou não frequentado estabelecimento de ensino superior, se prepararam também na Universidade da Vida, porque já viveram o suficiente para aceitar, sem reservas, que o conhecimento científico, as técnicas e tecnologias, os paradigmas, não são absolutos e imutáveis, porque a transitoriedade, a insuficiência, o desconhecido e o misterioso, provocam tal ansiedade e insatisfação que, para além dos valores e princípios imateriais e espirituais pouco, mesmo muito pouco, poderão ser definitivamente seguros e estáveis. 

É aqui, e por isso mesmo, que entra a acumulação de conhecimentos, experiências, atitudes, valores, princípios, deveres direitos, e que a tal “Universidade da Vida” ensina. A impetuosa generosidade e voluntarismo da juventude; o calculismo, a objetividade e o materialismo dos adultos ativos, procuram justificar certas atitudes e comportamentos, podem ser moderadas, caldeadas, temperadas com esta prudência sábia, que se adquire ao longo da vida, e que deve ser transmitida, incutida, estimulada em toda a sociedade, e a todos os níveis etários, porque ninguém estará isento de erros, de atitudes menos boas, incorretas e injustas, de comportamentos menos exemplares, por isso, todos serão poucos para se melhorar a convivência entre cidadãos, desta mesma pátria que habitam.

Com esta reflexão, desenvolver-se-á um processo sequencial deste estudo, tomando como ponto de referência a figura de Silvestre Pinheiro Ferreira, que nasce na segunda metade do Século XVIII (1769-1846), período que comporta anos revolucionários, sendo a partir do último terço deste mesmo século, que certos países conheceram profundas alterações que afetaram o homem de forma irreversível.

Não se podem ignorar: a Revolução Industrial, pela qual o poder humano fica fortalecido e as economias avançam com o fornecimento de bens e serviços; o mundo rural dá lugar ao mundo urbano com as suas cidades tentaculares; o trabalho manual cede à máquina-ferramenta; da oficina artesanal, passa-se para a fábrica e surgem os profissionais, os técnicos, os engenheiros e uma infinidade de especialistas; uma elite burguesa, sobrepõe-se às classes tradicionalmente importantes nos meios rurais; nasce um proletariado cada vez mais reivindicativo e combatente e, pouco a pouco, todos os setores da sociedade são atingidos e transformados pelo trabalho quotidiano, pelas mentalidades, pelas culturas.

A Revolução Industrial, concede à Europa uma grande vantagem tecnológica e económica, sobre o resto do mundo. O século XIX será testemunho da consolidação de uma Europa dominadora a nível mundial, mantendo, ainda hoje, primeiro quarto do século XXI, uma influência importante nas grandes decisões internacionais, em parceria com outras potências e blocos político-económicos.

Mas não foi apenas no domínio técnico e económico que o século XVIII se destacou. Tão importante como aqueles, também no plano político, se referenciam momentos de significativa importância: o despotismo esclarecido; a independência dos Estados Unidos da América e a Revolução Francesa de 1789, como que culminam um ciclo de revoluções, de revoltas, de emancipações, de recuo na hegemonia política europeia noutros países.

Defendiam-se, então, os princípios fundamentais da “Filosofia das Luzes”: igualdade, direito à vida, liberdade, felicidade, tolerância, fraternidade, humanismo, direito à educação e o cosmopolitismo. A burguesia, junta ao poder económico o poder político e faz passar à prática as ideias iluministas, cujo documento fundamental, foi a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, (1789), pela qual se proclamam os valores da igualdade, os direitos individuais, a liberdade de pensamento e de expressão e o direito inviolável e “sagrado” da propriedade privada. ([1])

É também neste século XVIII que se intensifica, e generaliza, o interesse pelas ciências, pelo progresso científico, através das investigações que no domínio das matemáticas, da astronomia, da física e da química conduzirão, mais tarde, a aplicações práticas, seja na máquina a vapor, seja no plano da medicina e da prevenção e cura das doenças. Importantes foram, igualmente, as explorações científicas, realizadas no Pacífico por franceses e ingleses.

Bibliografia.

ASSEMBLEIA NACIOANL FRANECESA (1789) Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789, in: https://br.ambafrance.org/A-Declaracao-dos-Direitos-do-Homem-e-do-Cidadao


([1]) A propósito da propagação da Filosofia das Luzes no Brasil, e da influência que teve nessa propagação Silvestre Pinheiro Ferreira, anote-se o que afirma António Paim: «De sorte que é na segunda metade dos anos 30 que estão dadas no país condições para a efectivação de um debate filosófico de grande significado, cujo mote, segundo creio, foi dado por Silvestre Pinheiro Ferreira.» (in: CALAFATE, 2001:492) e, mais adiante, a propósito da superação do democratismo, Paim acrescenta: «A contribuição fundamental de Silvestre Pinheiro Ferreira reside no entendimento da doutrina da representação política. Em seu tempo, a distinção entre mandato imperativo e mandato político, nas condições do sistema representativo, foi estabelecida por Edmund Burke (1729-1797). (…) Silvestre Pinheiro Ferreira tinha perfeita intuição de que se fosse possível organizar adequadamente a representação criar-se-ia um novo desaguadouro para os conflitos. (…) os interesses individuais são encarados de forma negativa, admitindo-se, contudo, a possibilidade de emergirem e terem livre curso os interesses gerais desde que assegurada a liberdade de iniciativa dos cidadãos (no fundo a mão invisível de Adam Smith). Silvestre Pinheiro Ferreira iria não só avaliar de modo diferenciado a natureza dos interesses, como, por este meio, abrir caminho à possibilidade de organizar a sua expressão.» (Ibid: 496).