As definições do progresso, defendidas por diversos autores, revelam preocupações quanto à validade e manutenção dos paradigmas científicos que, por sua vez, se desenvolvem num ciclo vicioso de lutas entre velhos e novos protótipos.
Em quaisquer uma daquelas perspetivas, o problema central prende-se com a ciência, entendida como progresso, revoluções científicas, aperfeiçoamentos, novas descobertas, para problemas que, elas próprias, as ciências positivas, originam: seja através do armamento; seja pela supremacia do poder Político-económico, o certo é que nem sempre se tem aproveitado as suas potencialidades, para melhorar o respeito pela dignidade humana. Cada vez me parece mais pertinente a ciência antropológica, precisamente ao serviço do homem, considerado na sua dimensão última, ou seja, um ser à semelhança do seu Criador.
Quaisquer que sejam as teorias, o homem confronta-se, de facto, com um avassalador progresso científico que, por vezes, colide com valores e princípios ético-morais, que são fundamentais nos Direitos do Homem. Um dos autores mais sensíveis a uma abordagem do progresso científico, em termos culturais e axiológicos e, concretamente, éticos e antropológicos foi Paul Feyerabend.
Este autor, Feyerabend: «denuncia uma concepção de progresso científico gerador de injustiças e do domínio da cultura ocidental sobre outras culturas consideradas subdesenvolvidas.» É contra esta forma de universalismo, negador das especificidades de cada cultura, que Feyerabend ergue a sua voz: «Em todo o mundo as pessoas elaboram instrumentos de sobrevivência em meios em parte perigosos.» (FEYERABEND, in: DINIS, s.d.:2).
Naturalmente que não é isso que hoje pretendemos das ciências e, por maioria de razão, não é isso que nós, filósofos, exigimos das ciências cognitivas, na medida em que, ao exagerarmos a intervenção das ciências ditas positivas, verificamos que, algumas delas, e, concretamente, os teóricos das ciências sociais, políticas e outros intervenientes atuam na sociedade e verifica-se, a propósito a seguinte passagem de FEYERABEND: «O modo como os problemas sociais, os problemas de assistência a idosos e assim por diante são resolvidos nas nossas sociedades podem, a traços largos, ser descritos nos seguintes termos: levantar-se um problema. Não se faz coisa nenhuma a seu respeito. As pessoas são afectadas. Os políticos difundem a sua preocupação daí decorrente. São convocados os especialistas. Os especialistas elaboram teorias e planos que neles se baseiam. Os grupos de pressão próximos do poder, com especialistas ao seu serviço, introduzem diversas modificações neste primeiro trabalho… (…)
Temos hoje uma situação em que as teorias sociais e psicológicas do pensamento e da acção humanos, tomaram lugar deste pensamento e desta acção em si próprios. Em vez de interrogarem as pessoas, implicadas numa situação problemática, os gestores do desenvolvimento, os educadores, os tecnólogos e sociólogos extraem a sua informação acerca do que essas pessoas realmente querem e precisam de estudos teóricos realizados pelos seus prezados colegas nos campos considerados relevantes. São consultados modelos abstractos e não seres humanos vivos: não é a população-alvo que decide, mas os produtores dos modelos. Os intelectuais de todo o mundo têm por adquirido que os seus modelos serão mais inteligentes, farão melhores sugestões, aprenderão mais capazmente a realidade dos seres humanos por si próprios.» (FEYERABEND, in: DINIS, s.d: 2).
Esta análise Feyerabendiana, citada por DINIS, é extremamente pertinente. A situação timorense, no passado, não estaria longe deste método, onde, segundo se afirma, efetivamente o povo maubere nem sempre teria sido auscultado pelos políticos e militares, sobre o que seria melhor para a salvaguarda dos seus Direitos Humanos, designadamente aqueles valores que enquadraríamos, nesta fase, de segunda geração, ou seja, direitos sociais. Evidentemente que não está em causa a competência, a dedicação, o altruísmo de todos os que estão a tentar reconstruir Timor, o que importa aqui é a metodologia utilizada que não pode ser influenciada por interesses alheios aos timorenses.
Evidentemente que não há “receitas” perfeitas, nem milagrosas e o método Feyerabendiano também não o é, na medida em que a objetividade, supostamente existente nas aspirações das populações-alvo, tem de ser trabalhada, pelos homens da ciência, pelos teóricos, pensada pelos nossos filósofos, de tal forma que os dados concretos recolhidos junto das comunidades: tenham em conta as suas culturas; os diálogos culturais entre culturas diferentes, conceitos e princípios diversos; e até divergentes. Torna-se essencial ter em conta que o discurso antropológico, vem sendo objeto de intensa mudança, as dicotomias corpo-alma, matéria-espírito, também enfrentam graves problemas.
Nesta linha de pensamento, parece-me pertinente a tese de DINIS, quando nos ensina que: «… A ciência, mesmo a ciência da natureza, do universo material é, de facto, uma grande investigação acerca da humanidade. Na verdade, quando perscrutamos o espaço intergaláctico, não estamos apenas à procura de estrelas ou planetas semelhantes à Terra, ou de buracos negros ou estrelas…. Estamos à procura de nós mesmos. Andamos permanentemente inquietos em busca de nós, movidos por uma inquietação talvez inconsciente, por uma inquietação que tem no mais íntimo de nós a sua nascente, naquela profundidade misteriosa como um santuário onde nem mesmo nós ousamos penetrar. E lançamo-nos então para fora de nós, à procura de nós, lá longe, muito longe, mergulhados como ébrios no infinitamente distante dos espaços siderais, ensaiando talvez os mergulhos que sonhamos no infinitamente perto que está em nós. (…). É precisamente neste sentido que entendo que toda a ciência é, ultimamente, antropologia, e que todo o progresso científico só tem sentido se for visto como uma categoria antropológica. Mas tudo isto exigirá, certamente, um novo modelo de saber.» (DINIS, s.d: III Parte)
A reflexão que antecede, conduz-nos, efetivamente, a uma posição que devemos aceitar como de grande humildade, no sentido em que, não basta haver uma Declaração Universal dos Direitos do Homem, alegadamente de matriz ocidental, se ignorarmos as tradições, as culturas, os hábitos, usos e costumes, o Direito Natural e Consuetudinário de outros povos, noutros pontos do mundo. Quem somos nós, para criticarmos outros seres humanos, cujos valores e princípios, nós, Ocidentais, preconceituosamente, pretendemos negar.
A mantermos esta mentalidade, certamente a Declaração Universal dos Direitos do Homem, dever-se-ia denominar, “Declaração Ocidental dos Direitos de Alguns Povos” porque, mesmo no ocidente, existem divergências quanto à importância de certos valores, como por exemplo, a vida. O direito à vida, em quaisquer circunstâncias, ainda não foi absolutamente conseguido, veja-se o que se passa em alguns Estados Norte Americanos, onde a pena de morte vigora, mas também em diversos países.
Numa rápida investigação na internet, ainda que carecendo de credibilidade oficial, verifica-se que, neste primeiro quarto do século XXI, cerca de 51 países continuam a aplicar a pena de morte, identificando-se a seguir os que estão referenciados: Afeganistão, Arábia Saudita, Bangladesh, Bielorrússia, Botsuana, Burundi, Camarões, Cazaquistão, R. P. China (exceto Macau e Hong Kong,) Coreia do Norte, Coreia do Sul, Emirados Árabes Unidos Estados Unidos da América (alguns estados), Etiópia, Gabão, Gâmbia, Gana, Guatemala, Guiana, Iêmen, Índia, Indonésia, Irão, Iraque, Japão, Jordânia, Kuwait, Laos, Libéria, Líbia, Malauí, Mongólia, Nigéria, Omã, Paquistão, Quirguistão, Singapura, Síria, Somália, Suazilândia, Sudão, Tailândia, Tanzânia, Togo, Tajiquistão, Turquemenistão, Uganda, Vietnam, Zaire, Zâmbia, e Zimbábue. (in: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_pa%C3%ADses_que_t%C3%AAm_pena_de_morte_para_crimes_comuns
Na origem dos Direitos Humanos, estão alguns valores que, por sua vez, têm a sua própria fundamentação: «… a tradição ocidental que conjuga o altruísmo e o individualismo. O dualismo apresenta duas faces: uma necessária e outra convencional (…). Em sua face convencional temos as regras sociais fundamentadas nos interesses humanos. (…) O ocidente foi fundado por dois acidentes históricos, o milagre grego e o cristianismo. (…) Quanto ao cristianismo o advento de Deus na história forneceria uma resposta que, no entanto, foge ao escopo Popperiano.» (PEREIRA, 1993:173-175).
Na passagem acabada de citar, é evidente uma opção pelo racionalismo, como uma preferência moral, que cria os valores e se ilustra muito bem no seguinte trecho extraído da obra: “A Sociedade Aberta”: «Acredito que a nossa sociedade ocidental deve seu racionalismo, sua fé na unidade racional do homem e na sociedade aberta, e especialmente sua feição científica, à antiga crença socrática e cristã na fraternidade de todos os homens e na honestidade e responsabilidade intelectual.» (Ibid.:168).
Ao longo desta reflexão epistemológica, tentei abordar vários aspetos, que se prendem com a necessidade de implementarmos políticas que visem o respeito pelos Direitos Humanos, a partir da análise de diversas estruturas de princípios, valores, atitudes, comportamentos, e a relação destes com a ciência, passando pelas faculdades humanistas do homem, a partir da tradição grega.
Concluiria, portanto, esta minha breve reflexão com o aspeto religioso na estrutura de paz, porque de facto, temos assistido ao longo dos séculos, a conflitos terríveis, alguns dos quais com base em fanatismos religiosos. Ora, como cristão que sou, penso que a minha religião tem, pelo contrário, dado, um contributo muito importante: não só para a paz; como também para o cumprimento dos Direitos Humanos, sejam estes de primeira, segunda ou terceira gerações.
Com efeito, a nível mundial: a Igreja Católica possui mais de 110 mil Instituições de Solidariedade Social, segundo um estudo de 1997, difundido na Televisão Portuguesa (SIC, Jornal da Tarde, 13/02/2000); por outro, lado é do conhecimento público, o papel decisivo desempenhado pela Igreja Católica Timorense, ao longo de 25 anos de luta de libertação do Povo Maubere, em que os mais altos dignitários da Igreja, correram inequívocos riscos de vida ao protegerem a população martirizada de Timor, com expressão relevante na atribuição do Prémio Nobel da Paz a um Bispo Católico, de língua Portuguesa: D. Carlos Ximenes Belo, a quem todos devemos prestar sincera homenagem.
Parece-me, mais que evidente, que caberá não só às ciências ditas positivas, mas, inevitavelmente, e por razões da complexidade humana, às ciências do espírito, conjugadas com a sabedoria filosófica, encontrar e implementar as soluções práticas para o cumprimento do dever de observância dos Direitos Humanos Universais, independentemente, embora respeitando-as, das tradições, usos, costumes, ideologias político-religiosas, e culturais de cada povo.
Haverá, certamente, valores e princípios universais que é necessário respeitar, em todo o mundo, para o que se postulam: atitudes de tolerância, de interculturalismo, de solidariedade e de fraternidade e, nesse sentido, cabe-nos, também, a nós filósofos, um papel de maior intervenção, consubstanciado no exercício das atividades docentes e na praxis quotidiana das diversas áreas das ações humanas: Políticas, Religiosas, Económicas, Profissionais, Culturais, Sociais e de Lazer.
O homem terá de encontrar, dentro de si, em primeiro lugar, a paz que procura e pretende estender a todo o mundo. Só quem está em paz consigo mesmo, é que pode transmitir este sentimento para o exterior. A tranquilidade de consciência, certamente, facilita o diálogo, o encontro de soluções e a implementação das mesmas, em termos práticos na realidade social.
Bibliografia
DINIS, Alfredo, (1998). Implicações de Desenvolvimento em Biologia e Ciências Cognitivas, in: Revista Portuguesa de Filosofia, Tomo LIV, Braga, Fasciculos: 3-4
DINIS, Alfredo, (s.d.) O Progresso Científico como Categoria Antropológica, (Apontamentos): Faculdade Filosofia de Braga, S.A.
FEYERABEND, Paul, (1997). Tratado contra el Método, Terceira Edicion, Tecnos: Madrid,
PEREIRA, J. C. R., (1993). Epistemologia e Liberalismo, (Uma Introdução à Filosofia de Karl R. Popper), Rio Grande do Sul: Pontifícia Universidade Católica; Porto Alegre: EDIPUCRS,
POPPER, Karl R, (1992). Em Busca de um Mundo Melhor, 3a ed. Tradução, Teresa Curvelo. Lisboa: Editorial Fragmentos.
SEARLE, J., (1987). Mente, Cérebro e Ciência, Lisboa: Edições 70