O regulamento municipal que abusa o estado de direito da república portuguesa e atenta contra a sanidade das atividades culturais e desportivas do concelho de caminha

Bloco de Esquerda do Concelho de Caminha
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“Foi esta última sexta-feira, dia 28 de julho de 2023, publicado em Diário da República um regulamento municipal que pretende condicionar, e condiciona de facto, a liberdade e a iniciativa do associativismo do concelho, ao mesmo tempo que exclui todas as crenças religiosas, exceto aquela que o presidente do município julga ser a mais adequada para todos e, por esse motivo, lhe concede privilégios únicos que mais ninguém possui.

Este regulamento, subscrito pelo próprio presidente da Câmara Municipal de Caminha, Rui Lages, foi já objeto de participação ao Ministério Público, em defesa da legalidade do Estado de Direito e da Constituição da República Portuguesa, a qual se mostra violada, de forma clara e grosseira, porque pontapea princípios básicos do Estado de Direito da República Portuguesa.

Assim, a intervenção do Ministério Público justifica-se porquanto é o representante do Estado quando estão em causa interesses patrimoniais ou não patrimoniais que se identificam com os interesses da comunidade e com o interesse público, sendo competência do Ministério Público representar o Estado, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar, promovendo a realização do interesse público e, por tal motivo, se requereu a suspensão imediata do Regulamento que teve entrada em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Diário da República, isto é, a 29-07-2023.

O Regulamento em causa, publicado na segunda série (Parte: H, nº. 146) do Diário da República, identificado como o Regulamento nº. 829/2023 do Município de Caminha, estabelece as condições dos apoios a associações culturais e recreativas, festas populares e romarias (nas páginas que seguem, em anexo a esta nota informativa, encontra o referido Regulamento retirado das páginas do Diário da República).

A norma regulatória do Município de Caminha detém expressa uma discriminação para os munícipes, em relação à religião que professam, o que contraria, não só o bom senso, como é óbvio, mas a própria Constituição da República Portuguesa, designadamente, os preceitos expressos nos artigos 12º, 13º, 18º e 41º.

Tendo como objetivo a atribuição de subsídios e, ou, outros apoios, para associações e grupos de munícipes religiosos, circunscreve essa religiosidade à igreja dominante, ou maioritária, discriminando todas as demais.

Logo no artigo 1º do Regulamento, na alínea b) do nº. 1, faz-se referência a entidades que sejam certificadas pelo “pároco da freguesia”, isto é, o pároco da paróquia católica, não cabendo outros representantes de outras religiões.

Volta a referir-se no artigo 9º a certificação do pároco, certificação essa que até dispensa a entidade religiosa dos deveres que são impostos às associações legalmente constituídas.

Para além da inclusão limitadora às agremiações católicas, discriminado quem professa outras crenças, há ainda um tratamento diferenciado quando determina que as associações culturais e recreativas tenham inscrição obrigatória no Registo Municipal e tenham ainda de ter uma atividade anual, contínua e regular, mas, já quanto às entidades promotoras de festas populares e romarias de cariz religioso, nada se exige a não ser uma simples declaração de uma única pessoa que afirma a existência daquela agremiação, formal ou informal, sem inscrição, sem demonstração de qualquer atividade: o tal pároco.

Compreende-se que haja diferenças entre as entidades e mesmo entre os fins que perseguem, no entanto, em termos de distribuição de dinheiro público, isto é, do dinheiro de todos os munícipes e cidadãos deste país, impõe-se que haja um controlo e responsabilização unívoco e não discriminatório, o que não acontece com este regulamento.

Novamente no artigo 13º se discrimina a fé dos cidadãos, submetendo-se o Município à autoridade do representante de uma religião, para além de que a avaliação do apoio fica dependente de, entre outros aspetos, do caráter religioso da atividade. Isto é, o município avaliará o valor da atividade religiosa, sendo que essa avaliação também é uma condição de concessão de mais ou menos apoios, ou nenhuns, o que constitui anomalia em termos de liberdade religiosa e, bem assim, discriminatória para as entidades que perseguem fins diferentes dos fins religiosos.

Na redação do artigo 18º do mesmo Regulamento constam obrigações para controlo do subsídio público concedido, com obrigação de apresentação de relatório onde constem as atividades e os resultados alcançados. Esse relatório é exigido às associações legalmente constituídas e com corpos sociais eleitos, mas, mais uma vez, de forma discriminatória, não é exigido às entidades de cariz religioso que levem a cabo eventos subsidiados com o mesmo dinheiro dos munícipes, apenas porque um pároco certifica e abençoa o ajuntamento de pessoas para gastar dinheiro público.

Ora, isto é inconcebível e constitui mais uma libertinagem do uso e abuso do dinheiro público a que os munícipes, maligamente, já se vão habituando neste concelho.

Este Regulamento discrimina por duas vias: quando concede privilégios de apoios a agrupamentos certificados por um representante de uma religião, ignorando todas as demais, como se inexistissem, e quando concede privilégios e isenções de responsabilidade aos mesmos agrupamentos religiosos católicos, em detrimento de associações legalmente constituídas e com corpos sociais eleitos e muitas obrigações formais e legais.

Como se toda esta discriminação não bastasse, o dito regulamento pretende ainda aprisionar as entidades a quem concede algum tipo de apoio, obrigando-as a ficar disponíveis para prestar serviços ao Município. Ou seja, qualquer coletivo que, por exemplo, tenha um projeto ou uma iniciativa desportiva ou cultural para apresentar aos munícipes e solicite algum apoio, nem que sejam umas cadeiras e umas grades limitadoras do espaço, fica automaticamente subsumido à vontade discricionária do executivo municipal para outras quaisquer ações em qualquer local, mesmo que sejam em ambiente não aberto ao público em geral, mas incluídas em eventos de outras entidades, para a sua promoção, com convidados restritos ou em eventos de cariz político, em que o Município presta apoio disponibilizando a animação dos bobos da corte que devem prestar vassalagem durante três atuações, porque assim o determina a alínea c) do artigo 18º do Regulamento.

Impor este tipo de obediência a quem pretende dinamizar as atividades culturais, desportivas ou recreativas do concelho, constitui uma aberração limitadora da liberdade criativa e de iniciativa de todos os coletivos municipais.

Apoiar não é aprisionar nem impor-se a ninguém; controlar ou subjugar. O livre associativismo do concelho de Caminha e a livre iniciativa correm o risco da imposição e de tamanha regulação dominadora.

Por tudo isto, o Bloco de Esquerda do Concelho de Caminha denuncia este abuso e espera que o Ministério Público aja em conformidade com o seu desígnio, travando mais esta iniciativa do Partido Socialista que domina o Município e pretende dominar também o associativismo municipal.

Já há cerca de um mês, em sessão da Assembleia Municipal de Caminha, o deputado eleito pelo Bloco de Esquerda apresentou todas estas irregularidades e, claro, votou contra a aprovação deste regulamento nestes termos deformes, no entanto, o rolo compressor da maioria do Partido Socialista acabou aprovando, aliás, como sempre aprova tudo o que o executivo apresenta, sem nenhuma preocupação de bom senso ou sentido crítico.

Caminha, 31 de julho de 2023
A Comissão Concelhia do Bloco de Esquerda de Caminha”