Cultura Antropológica. A Memória e um Povo

Opinião de Diamantino Bártolo
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O século XXI, iniciado há duas décadas, e na linha do que já vinha sucedendo no final do século anterior, relativamente à evolução técnico-científica, que faz parte de toda uma cultura elitista, para o bem e, em certos domínios, também para o mal, deve, portanto “ressuscitar” a cultura genuína do homem do passado, criar condições favoráveis para uma divulgação e, por que não, rentabilização desta cultura antropológica, desde logo ao nível das diversas formas de turismo: rural, folclore, religioso, artesanato, gastronómico, jogos e todo um conjunto de iniciativas que produzem riqueza e bem-estar nos participantes.

O homem não é um ser de hoje, mas de todos os tempos. Tem uma história, um passado que vem evoluindo, um presente que está a viver e um futuro que o espera, desejavelmente sem renegar o passado. Neste presente que o envolve, obviamente, não pode ignorar o passado, vivido com mais ou menos erros, com bons e maus momentos.

Atualmente, e tendo em conta toda uma cultura que vem construindo, a começar ma sociedade, pretensamente, cada vez mais organizada e “segura”, porém, ainda muito distante do que seria desejável, talvez, e uma vez mais, pela falta, ou excesso, de valores antropológicos, provenientes de toda uma disciplina e, dir-se-ia, respeito, não medo, como no passado. Todas as construções humanas, afinal, assentam em dois aspetos ou características importantes: a sociabilidade e a cultura.

Claro que uma está ligada à outra, e como que formam um todo, aliás, a história do homem comporta uma sociedade, desde que nasce até à sua morte, compreendendo a família, por exemplo, como a primeira célula e princípio de toda essa mesma sociedade.

Com efeito: «O homem, em geral, já nasce como membro de um grupo: a família. À medida que vai vivendo, passa a pertencer a outros como: grupo de amizade, vizinhança, escola, Igreja, cidade, grupos profissionais, expandindo assim seu mundo individual. Mas, apenas a natureza biopsiquica, adquire a natureza social, formando e desenvolvendo sua personalidade. Além disso, o homem cria cultura e, através desta, satisfaz suas necessidades e adapta-se ao meio ou adapta o meio a si, modificando-o.» (TORRE, 1983:44).

Sem forçar demasiado o pensamento, não se pretenderá ofender os defensores da cultura elitista, se se afirmar que o desenvolvimento humano também passa pela cultura antropológica, principalmente nos primeiros anos de vida da pessoa, ainda quando ela está entregue à família, da qual recebe os ensinamentos essenciais, para

depois se confrontar com os restantes grupos sociais até, finalmente, se integrar na sociedade. Parece um papel importante, este que é desempenhado pela cultura antropológica, além desta poder acompanhar o indivíduo, ao longo de toda a sua vida e, inclusive, ser estudada a nível do ensino superior, em várias especialidades e graus.

Na humildade do titular de uma cultura antropológica, é possível vislumbrar conhecimentos práticos, dir-se-ia, do senso-comum, portanto, diferentes daqueles dos religiosos, filosóficos, científicos e técnicos, o que vem valorizar todos estes, afinal, tratar-se-ia de uma outra via, que na ordem evolutiva até será a primeira, provavelmente, ainda antes do mito, pelo qual se procurava explicações para certos fenómenos, porque a cultura do homem primitivo já lhe permitia, se não resolver, pelo menos explicar os problemas mais elementares.

Igualmente se julga inofensivo aceitar a cultura antropológica, como um conhecimento prudente, ainda que não totalmente provado pela ciência, se tal prova fosse necessária. Pensa-se que se pode dispensar, nesta fase da história da humanidade, a aplicação da matriz: método e objeto do conhecimento científico à cultura antropológica, porque esta apenas realiza ou afirma a realidade possível e visível, todavia, é bom lembrar que a Antropologia, nas suas várias especializações já é, atualmente, considerada uma ciência. Esta pode (e deve), a par de quaisquer outros conhecimentos, ser a cultura de todos, dadas as circunstâncias do processo evolutivo do homem.

A vida acelerada que atualmente, por todo o mundo, os indivíduos, as famílias, os grupos e as sociedades enfrentam, para atingirem objetivos diferentes, na maior parte dos casos, justos, legítimos e legais, também comporta algum espaço para a cultura, considerada nas suas vertentes: antropológica e intelectualizada.

Haverá preocupações para algum investimento, ou pelo menos disponibilidade financeira para a cultura, porém, ignora-se se isso será, ou não, suficiente. Na verdade, verifica-se que há cinquenta anos já se afirmava: «Trabalha-se hoje, em certos sectores da sociedade, pela promoção económica, social, cultural e religiosa dos mais abandonados da natureza. Um surto de nova vida social levanta o espírito de alguns, suscitando ideais mais caridosos, mais humanas com os pobres, operários, famintos, analfabetos. Impedir essa conscientização do jovem, pelo medo de criar subversivos, é querer uma juventude amorfa, superficial, boazinha, acomodada. Pretende-se sacudir o comodismo e a irresponsabilidade de muitos, acelerar o processo de libertação da escravidão moderna, que é a miséria, a ignorância, a irreligiosidade, a superstição, as diversas classes do materialismo.» (GALACHE-DINER-ARANZADI, 1969:45).

O investimento na cultura, aqui considerada no seu sentido mais geral, o que supõe a inclusão da cultura na sua expressão antropológica é, portanto, uma preocupação que se tem feito sentir ao longo dos tempos, o que se considera um bom indicador para o desenvolvimento humano, ainda que, eventualmente, insuficiente.

A sensibilização e mobilização dos que detêm os recursos: humanos científicos, técnicos e financeiros deve manifestar-se de forma inequívoca, e mais significativa porque, como se tem analisado, verifica-se que ao longo das últimas décadas existe essa vontade em muitos países; assim como a concretização de projetos culturais noutros.

Bibliografia

GALACHE – GINER – ARANZADI, (1969). Uma Escola Social. 17ª Edição. São Paulo: Edições Loyola

TORRE, Della, (1983). O Homem e a Sociedade. Uma Introdução à Sociologia. 11ª Edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional