Cultura para o bem-estar

Opinião de Diamantino Bártolo
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A sociedade portuguesa viveu dias dramáticos como, ao que parece, já não havia memória. A incerteza, a insegurança, o desespero de milhares de famílias, de milhões de idosos e de jovens, de quase um milhão de desempregados, de milhares de pessoas altamente qualificadas, com um futuro incerto são o denominador comum de uma nação socialmente em desagregação, na qual os valores da confiança, da estabilidade e do Estado Social, foram seriamente negados, com a agravante da ameaça de implementação de decisões retroativas, negativamente discriminatórias. Será o “fim da linha”, de um povo honesto, trabalhador e humilde?

As leis fazem-se para o futuro e elas devem conter o princípio da previsibilidade, da sua aplicação justa, legítima e abstrata, mas nunca intencionalmente discricionária, em relação a um grupo da população frágil e sem condições para se defender. Os efeitos retroativos de uma Lei são admissíveis quando se apresentam favoráveis ao infrator, e/ou aos cidadãos em geral, seja na perspetiva social, profissional e de reabilitação, honra, bom nome, reputação e dignidade de toda a pessoa humana.

O Estado não tem o direito de unilateral, e prepotentemente, revogar os acordos que firmou com os cidadãos que, de boa-fé, subscreveram e cumpriram, durante décadas, com um clausulado, então imposto por esse mesmo Estado, porque não é tolerável, nem legítimo, nem legal, quebrar a confiança, a segurança e a estabilidade das pessoas, das famílias e da sociedade. O Estado não pode (nem deve) violar princípios, valores e formas de vida constitucionalmente consagradas, que ele próprio aprovou, no exercício do mandato democrático que o povo, no pressuposto do cumprimento das promessas políticas, lhe conferiu.

Como uma verdade “inquestionável” poder-se-á afirmar que o Estado não pode, traiçoeira e prepotentemente, subtrair aos cidadãos, o que por direito próprio e imensos sacrifícios, conseguiram ao longo de uma vida. O Estado tem de comportar-se como uma pessoa institucional de bem, com boa-formação ética, moral e democrática.

Ele, o Estado, não pode negar às famílias que estas tenham condições de proteger os seus elementos, parentes em diversos graus, atualmente filhos e netos, os quais se vão acolhendo às economias daquelas que, durante uma vida de trabalho árduo, poupanças e sacrifícios, estavam agora a ajudar, precisamente aqueles que o Estado também está a abandonar: jovens e adultos, às centenas de milhares, desempregados, sem casa, sem médico de família, sem futuro, sem dignidade. O estado não pode fazer tanto mal, a quem tem contribuído, brutalmente, através de enormes cargas ficais.

À época, 2011-2015, o Estado comportou-se como aquela pessoa que fecha um negócio, mas depois não cumpre com o acordo, esteve a adotar um comportamento de negação dos compromissos assumidos, no limite, ele manifesta-se como um banco falido que, através de gestão danosa, esbanja os depósitos dos clientes. Sim, porque todo o cidadão que depositou mensalmente, durante décadas, uma determinada importância, para utilizar na velhice, deveria, então e aos bancos do sistema financeiro português e europeu, ter disponíveis os rendimentos que lhes confiou.

O “depositante” confronta-se, depois, que afinal os valores entregues não correspondem, na totalidade, aos depósitos efetivamente feitos e às condições que contratualizou com esse mesmo Estado, logo, pode-se equiparar esta situação a uma subtração indevida dos montantes investidos. Não é justo, nem legal e, tanto mais grave, quanto o principal responsável é um Estado que deveria ser razoavelmente justo, social e democrático.

Os reformados e pensionistas em Portugal, atualmente cerca de um terço da população, que contribuíram com milhões de euros, para a sua velhice e, portanto, não estão a viver à custa das atuais gerações mais novas, estas, as que ainda têm emprego, já estão, isso sim, a constituir o seu “pezinho de meia”, entregando numa instituição, que se julga credível, os valores que lhes são impostos. É que nem sequer têm o direito de escolher quanto é que vão depositar, ou seja: é o mesmo Estado que obriga a entregar uma determinada percentagem do salário, e ainda outra da entidade patronal.

Bem vistas as coisas, o Estado está a subtrair valores do trabalho, mas também ao empregador o que se afigura como uma dupla tributação e, portanto, não lhe assiste qualquer autoridade ética, moral e institucional para assim proceder. Por outro lado, parece que nem sequer se lhe pode reconhecer total legitimidade democrática, já que alguns dos membros, nomeados para altos cargos, que apoiam a governação, não teriam sido eleitos através do voto secreto, direto e universal dos cidadãos contribuintes, exercendo as respetivas funções, por confiança politica, parentesco ou amiguismo, o que se afigura mais a  uma democracia adulterada.

Mas, se se preferir analisar a situação sob o ponto de vista da solidariedade Intergeracional, também se afigura que este valor, essencial para a harmonia, respeito e amizade, entre gerações, não está a ser, minimamente, observado, porque se o argumento é o de que a atual geração de ativos, está a descontar para os agora reformados e pensionistas, então também estes já descontaram para os seus pais e avós, por isso, existe um dever moral e solidário, para que os trabalhadores de hoje, ajudem a manter, com estabilidade e confiança, os que, presentemente, dependem, exclusivamente, desta fonte de rendimentos, de resto, para a qual contribuíram décadas das suas vidas.

O dinheiro das reformas e pensões é “sagrado” (sacrossanto), constitui como que o “sangue da vida”, daqueles que agora, mais ou menos idosos, com as portas do mundo do trabalho fechadas, apenas lhes resta esperar o fim da vida, mas é legítimo, e da mais elementar justiça social e humanitária, que percorram o resto da “linha”, com dignidade, que sejam respeitados por quem tem o dever de o fazer, no fundo, toda a sociedade, encimada pelos governantes.

As gerações que estão no poder, e/ou deste pretendem aproximar-se, não podem ignorar que, em parte, chegaram a este nível da governação graças a vários fatores: a maioria, estudou com o apoio dos seus progenitores e dos contribuintes; venceram eleições também com os votos de milhões de reformados e pensionistas; beneficiam de imensas ajudas, regalias e influências, conseguidas, um pouco, à custa dos cargos para que foram eleitos, e/ou nomeados pelos amigos, familiares e conhecidos e, naturalmente, também se lhes reconhece algum mérito próprio.

O Estado social e democrático, balizado pelos grandes valores do humanismo, norteado pelos pilares essenciais da velha e ilustre civilização europeia/ocidental: a segurança do Direito Romano; a profunda fé que o Cristianismo incute na maioria dos povos e a Filosofia Grega, berço e fundamento da Democracia, não pode decidir, unilateral, prepotente e insensivelmente, contra os que são mais fracos, em quase todos os aspetos: físico, psicológico, etário e económico, para além de indefesos.

Certamente que haverá outros recursos, que até poderiam passar, por exemplo, pela: alienação de património construído, e/ou adquirido – edifícios, terrenos, redução de equipamentos, viaturas -, assessorias alheias à administração pública, estudos de estudos, pareceres encomendados a entidades estranhas ao governo, quando se sabe que nos diversos serviços do Estado existem bons técnicos especialistas, muito competentes.

Uma outra fonte de receitas, para evitar medidas injustas, também se encontra na diminuição de regalias e benefícios excecionais, dos detentores de altos cargos políticos e executivos, que a maioria das pessoas não tem, tais como: subvenções vitalícias, pensões de luxo, ao fim de poucos anos de trabalho e de descontos, cartões de crédito, eventualmente, sem limite.

Ainda é possível poupar despesas na: eliminação de parcerias público-privadas, observatórios, institutos e comissões que envolvem órgãos administrativo-executivos, com remunerações e regalias excessivas, redimensionamento dos Órgãos de Soberania, e muitas outras instituições que, ao longo de um ano, absorvem centenas de milhões de euros.

Há muito mais por onde cortar, sem ser necessário recorrer às poupanças de uma vida inteira dos reformados e pensionistas. Parece evidente que quem toma decisões desta natureza, não está a pensar, nem preocupado, com uma reforma/pensão equivalente às que possui a maioria da população, que integra este estrato societário. Quem adota tais resoluções, em princípio, nunca lhe vai faltar bons empregos, nacionais/internacionais.

De facto, tudo indica que é para isso que servem os conhecimentos, as influências e algumas qualidades pessoais, sem dúvida. Os responsáveis por decisões tão drásticas, quanto desumanas, sabem bem que, ao fim de poucos anos de trabalho e descontos, vão ter reformas douradas, através de organismos nacionais, e/ou internacionais, influentes nos mundos da: política, empresarial, financeiro e económico, que vão sendo criados, sustentados, afinal, por todos quantos, ao longo da vida, têm trabalhado, descontado e participado nas eleições, que colocam no poder quem agora esquece estes milhões de cidadãos seniores.

Nestes períodos como o de 2011 a 2015, de grande desânimo, desilusão, desesperança e inaceitável austeridade, devem os cidadãos unir-se, pacificamente, e demarcarem-se destas políticas desumanas e, quaisquer que sejam as suas funções: políticas seja a que nível for: administração central, regional e local -, empresários, religiosos, todos têm o dever de proteger e lutar pela dignidade daqueles que agora estão a ser abandonados, mas que já deram o seu contributo, que proporcionaram as melhores condições possíveis aos seus filhos e netos, e que ainda continuam a ajudar, precisamente as segundas e terceiras gerações.

Tentar impor uma convergência retroativa, que conduza a uma igualdade de tratamento, nos benefícios, é uma injustiça, pela simples razão de que: por um lado, enquanto que os reformados e pensionistas do Estado, foram obrigados a descontar sobre o que realmente ganhavam, sem qualquer hipótese de fuga, inclusive aos impostos; por outro lado, no regime geral da Segurança Social, nem todos descontaram sobre o que realmente ganhavam, eventualmente, apenas declaravam o salário mínimo nacional e, mesmo assim, nos últimos anos que antecediam a idade de reforma; outros, ainda, nunca descontaram.

Nestas circunstâncias, nunca as reformas/pensões podem ser iguais, por isso, a convergência não será real, porque quem trabalha para o Estado e para as grandes, e/ou pequenas empresas/instituições, devidamente legalizadas e organizadas: não pode “fugir” aos encargos sociais e aos impostos; em contrapartida, quem exerce uma atividade por conta própria, praticamente, declara o que entende, salvo as devidas e honrosas exceções.

Pode-se, afinal, pensar que todas estas medidas não passam de argumentos falaciosos, com a agravante de colocar trabalhadores do regime geral, contra funcionários do Estado, e vice-versa. Corre-se o risco de, igualmente, incentivar a animosidade entre gerações, entre filhos e netos contra pais e avós, no fundo, fica-se um pouco com a ideia de uma estratégia de infeliz e má memória, que está implícita no velho princípio, segundo o qual: “dividir para reinar”.

Para além de injustas, inaceitáveis e desumanas, medidas desta natureza, são extremamente perigosas e, no limite, está-se a fomentar o confronto verbal, psicológico e físico, entre pessoas, famílias, gerações, trabalhadores, enfim, portugueses contra portugueses. Isto é desproporcionado e absurdo.