Controlar as Crises

Opinião de Diamantino Bártolo
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Ao longo das últimas décadas, a palavra crise tem-se ouvido com uma frequência quase semanal, embora mais recentemente, talvez desde finais de 2008, a periodicidade tenha sido menor, ou seja, diariamente, porque, até (2008 a 2015), não se ouvia falar de outro tema. Da pessoa humilde do povo, ao mais ilustre e competente especialista, a palavra quase se banalizou e se tornou num maldito estigma para portugueses e para o resto do mundo.

A crise, ao que parece, afeta toda a gente, dos negócios aos salários e reformas, das empresas nacionais ou mesmo multinacionais às pequenas e médias instituições e às denominadas unipessoais. Todos se queixam da crise, mas, ninguém aponta responsáveis com rosto humano, identificação bem definida, embora: uns falem dos especuladores; outros do custo do petróleo; depois a pandemia do COVID-19, iniciada em Portugal nos finais de fevereiro de 2020 e, mais recentemente a guerra que a Rússia moveu contra a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, outros, ainda, das taxas de juros; também aqueles que apontam o dedo ao endividamento das famílias e, por que não dizê-lo, à irresponsabilidade na concessão de empréstimos para diversos fins, entrando aqui o setor imobiliário, cuja génese estaria nos Estados Unidos da América o que, a ser assim, caberia aqui o velho adágio, segundo o qual: “Quando os Americanos espirram, a Europa constipa-se”.

Entre tantos e eventuais culpados sem rosto, (e sem trânsito em julgado, em alguns casos) não parece que alguém tenha ouvido imputar responsabilidades aos gastos giga-milionários que certas instituições e seus responsáveis, estarão efetuando, seja a nível nacional, seja no contexto mundial.

Também não se ouve qualquer queixume das elites económica, política e socialmente cada vez mais ricas e poderosas, a que os relatórios internacionais das mais insuspeitas organizações vêm dando notícia. A crise será só para as classes Média e Pobre, cada vez mais pobres e desacreditadas? Tal não é possível.

A administração de recursos: sejam eles imobiliários; sejam financeiros ou humanos, requer ponderação, bom senso e manutenção de uma reserva, precisamente para suportar aqueles períodos de maior dificuldade. Tal como numa família, onde poucos contribuem para o património, e muitos gastam sem qualquer regra ou preocupação em acautelar o futuro, o mais certo é surgiram, mais tarde ou mais cedo, grandes e por vezes inultrapassáveis situações de pobreza, falta de recursos e depauperamento dessa mesma família e dos seus elementos.

Parece óbvio que se tem vivido, com alguma desorientação, sob a égide de um novo-riquismo, talvez fácil demais, sem preocupações quanto a uma estratégia moderada, equilibrada, com uma retaguarda sólida, o que se confirma desde há várias décadas, porque o princípio da boa administração, em muitas instituições não tem sido observado.

Tudo parece indicar que: «O equilíbrio não é apenas uma das leis fundamentais da Economia. É também um dos princípios fundamentais da Administração, que se aplica, igualmente, tanto à instituição como aos indivíduos que a administram. O equilíbrio, como o crescimento, é um dos principais elementos da filosofia administrativa.» (DIMOCK, 1958:44).

Gastar mais do que o que se tem, pode ser uma tragédia a médio ou longo prazos. Pedir emprestado sem se ter um mínimo de garantia que se pode pagar, sem se fixarem as condições de pagamento, revela-se imprudente e de consequências imprevisíveis: quer para o gestor que então envereda por tal sistema; quer para o que vier substituí-lo; quer, ainda, para o credor. Estratégias desta natureza ocorrem com alguma frequência, desde o mais alto nível da administração empresarial e pública, às mais humildes autarquias e pequenas empresas.

Durante um determinado período fazem-se investimentos, e as mais diversas intervenções, e quem vier que pague, ou, na linguagem portuguesa bem vernácula: “quem vier que feche a porta”, de resto, e a título de exemplo, sabe-se que a nível de certas instituições públicas já foram ultrapassados os limites legais de endividamento, invocando-se, para o efeito, a realização de melhoramentos públicos com o apoio de fundos comunitários, porque de contrário, não seriam possíveis, considerando que a entidade beneficiária de tais fundos, tem que participar com uma determinada percentagem e, assim sendo, será necessário contrair os empréstimos suficientes para que a obra se realize.

A questão que se levanta prende-se com a importância e oportunidade dos melhoramentos que se pretendem fazer com dinheiros emprestados. É bem provável que em certas circunstâncias, como em tempos de crise, seja necessário estabelecer prioridades e, entre uma população que tem uma elevada taxa de cidadãos marginalizados por vários motivos: desemprego, fome, miséria, exclusão social, reformas insuficientes, agravadas com os sistemáticos cortes,(durante alguns anos, mas, entretanto, repostos os valores que precediam a crise) taxa de escolaridade abaixo da média, sistema de saúde que não tem atendido ao combate a todas as doenças e obras ditas estruturais que, num ou noutro caso, não são assim tão urgentes e necessárias, as opções são da responsabilidade de quem as toma.

Bibliografia

DIMOCK, Marshall E., (1967). Filosofia da Administração. Tradução, Diógenes Machado e Arnaldo Carneiro da Rocha Netto. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura – Brasil-Portugal