Cuidados Paliativos ausentes dos programas eleitorais nestas legislativas

77 mil portugueses (70 mil adultos e 7 mil crianças) sem acesso a cuidados paliativos. APCP propõe um conjunto de medidas
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Porto, 20 de janeiro de 2022 – Aproximamo-nos do momento de contribuir para a escolha do partido que nos vai governar e também dos partidos que nos representarão na Assembleia da República. Trata-se, portanto, de um período muito importante e determinante para o país. A fase da campanha eleitoral ajuda-nos a perceber as ideias, as propostas, as preocupações inerentes ao projeto de cada partido político.

A APCP tem estado atenta para perceber as propostas e as preocupações face à grave situação que vivemos no país, no que respeita a respostas dos cuidados de saúde e cuidados sociais às pessoas em situação de doença grave, avançada, fragilidade e/ou em fim de vida.

São milhares de cidadãos e são milhares de vidas envolvidas, entre doentes, familiares, cuidadores e instituições.

No que toca especificamente a Cuidados Paliativos, mantemos a capacidade de acesso abaixo dos 30% nos adultos e abaixo dos 10%, nas crianças. Isto significa que hoje, temos mais de 70.000 adultos e mais de 7.000 crianças com necessidades destes cuidados e sem acesso aos mesmos.

Ainda assim, este não é o único problema, uma vez que as equipas especializadas em cuidados paliativos são extraordinariamente importantes, mas não constituem a única solução para as necessidades. É preciso uma estratégia de fundo, na formação, na capacitação e competência, na organização das estruturas de saúde e sociais para que, efetivamente, o nosso país passe a garantir cuidados e respostas adequados e essenciais aos doentes com necessidades paliativas e às suas famílias.

A Pandemia tornou ainda mais evidente as dificuldades, as falhas e as necessidades ao nível dos cuidados aos mais frágeis. Não se trata de falar do número de pessoas doentes ou do número de pessoas que morrem, mas sim dos cuidados que são garantidos em vida, atualmente ainda desadequados e sem uma estratégia para mudar esta realidade.

A APCP alerta que camas e estruturas físicas (como as anunciadas no PRR) não resolvem as falhas do país nesta área de cuidados. O País não tem profissionais especializados suficientes para as poucas equipas que já existem. No momento de grande oportunidade de investimento numa estratégia para a formação, realização de estágios para acréscimo de competências para todos os profissionais nesta área e de maior especialização para os que querem dedicar-se a cuidados paliativos, parece que a única via para os milhões do PRR são estruturas físicas/camas.

Em momento de campanha eleitoral, a APCP quer manifestar a grande preocupação na ausência de medidas específicas neste sentido nos programas eleitorais de todos os partidos e aproveitar para desafiar todos os partidos a incluir nos seus discursos, nos seus programas, nos seus debates, a questão dos cuidados de saúde e sociais aos milhares de cidadãos e suas famílias que vivem uma situação de maior fragilidade, de doença grave e causadora de sofrimento, causadora de  limitações e/ou que se encontram em situação de fim de vida.

Se temos agora cerca de 100 mil cidadãos com necessidade de cuidados paliativos, em 2060 teremos o dobro. O que é que o nosso Governo e a nossa Assembleia da República pretendem fazer em relação a isso? É emergente repensarmos a estratégia nesta área de cuidados.

Está no momento das respostas, das ideias e das soluções que esperávamos serem apresentadas.

Neste sentido, a APCP recomenda a todos os partidos candidatos às eleições legislativos do próximo dia 30 de janeiro, a integração no seu programa de governo das seguintes medidas:

1 – Redução das desigualdades territoriais no acesso aos cuidados paliativos: todos os doentes, independentemente da idade e do local de residência devem ter acesso, através do SNS, aos cuidados especializados que possam necessitar em situação de doença avançada e/ou ameaçadora da vida;

2 – Garantir que todas as equipas especializadas e unidades de cuidados paliativos existentes e todas as que venham a ser criadas, são dotadas de profissionais, tanto em número como em formação e competência especializada, de acordo com o que tem sido definido pela CNCP;

3- Formação de nível pelo menos básico a todos os profissionais de Saúde e abertura de estágios de especialização para profissionais de saúde (Médicos, Enfermeiros, Psicólogos, Assistentes Sociais) nas diferentes tipologias de respostas existentes para os Cuidados Paliativos;

4 – Promoção de campanhas nacionais de literacia em Cuidados Paliativos tendo em conta a sua definição e o seu posicionamento diferenciado face quer a obstinação, quer ao encarniçamento terapêutico, que além de aumentar o sofrimento, traduz-se no aumento das despesas em saúde, sem nenhum proveito;

5- Garantir a estabilidade das Equipas, prevendo uma progressão na carreira para os profissionais de saúde de todas as áreas científicas que se dediquem a Cuidados Paliativos;

6 – Garantia de profissionais com competência em abordagem paliativa nas estruturas do setor social (ex. ERPIs, apoio domiciliário, centros de dia, residenciais de apoio e acolhimento de pessoas com deficiência,…);

7 – Aumento do número de Equipas de Suporte comunitário em Cuidados Paliativos e colocação de mais profissionais nas equipas existentes e alocação de recursos físicos adequados ao seu funcionamento.

Apelamos a cada partido, que se apresenta em campanha eleitoral, para que atualize os seus programas e agenda política em função das reais necessidades dos cidadãos. Só assim cada cidadão poderá sentir-se verdadeiramente representado na Assembleia da República, independentemente da sua situação de doença, fragilidade, dependência.

Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos
janeiro de 2022