Dogmatismo Científico

Opinião de Diamantino Bártolo
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É verdade que muitas descobertas ocorrem por acidente, embora este não aconteça a uma pessoa qualquer, mas sim por força de irregularidades que afetam os equipamentos especializados, manuseados pelos cientistas, bem como nas falhas que, por vezes, surgem nos projetos de investigação, traduzindo-se em fracassos espetaculares, que põem em causa convicções e maneiras de proceder, correntemente aceites.

Assim, a resposta normal consiste em lançar a culpa nos talentos ou aparelhos de alguém e mudar, a seguir, para outro problema, sendo importante discernir entre uma anomalia essencial e um fracasso acidental, resultando daqui o esquema: descoberta graças a uma anomalia, dúvida relativamente a convicções e técnicas estabelecidas, que se repete ao longo do desenvolvimento científico. Em suma, nas “ciências maduras”, as inovações inesperadas são descobertas, muitas vezes, depois de algo ter corrido mal.

O dogmatismo científico, depois do que ficou resumido, parece fundar-se, não só na adesão paradigmática e profunda do “status quo” mas, principalmente, na inovação que se concretiza com o cientista, enquanto “solucionador de puzzles”, produzindo-se, então, uma tensão entre as habilitações profissionais e a ideologia profissional, cuja capacidade de a manter é condição essencial para o êxito da ciência. É com o abalo das tradições, representadas pela continuidade nas inovações, que se revela a vitalidade científica.

O tema em análise, reveste-se de dificílima interpretação, na medida em que é a própria função do dogma da investigação científica que torna, efetivamente, os textos estudados e interpretados, de complexa assimilação, quer no aspeto filosófico, quer no domínio hermenêutico.

Em todo o caso, poder-se-á pensar que qualquer paradigma constitui sempre uma boa base de trabalho científico, porquanto é a partir dele que se pode aperfeiçoar os conhecimentos, o comportamento, enfim, atitudes que devem ser normas éticas, praxis quotidianas da pessoa humana.

Neste contexto hermenêutico do paradigma, valerá a pena enquadrar determinadas ações humanas, como verdadeiros modelos a seguir, defendendo-os, inclusivamente, como autênticos dogmas, destacando-se entre aqueles, algumas formas verbais, tão antigas quanto atualizadas, hoje, porém, tão ignoradas, nomeadamente os conceitos que encerram os verbos “solidarizar”, “amar”, “crer”, “pacificar”, “alimentar”, “educar”, e tantas outras conceções, de sublime aplicação, sem ignorar valores essenciais à vida humana, em sociedade, como a lealdade, a reciprocidade, a gratidão, a cumplicidade, a coesão e a confiança.

Ao nível da investigação científica, naturalmente que existem paradigmas que devem continuar atualizados, e modelares para a resolução dos problemas concretos da humanidade, devendo os cientistas agarrá-los e juntar as várias “peças”, no sentido de construírem a pirâmide universal que culmina com a erradicação do obscurantismo, do desemprego, da fome, da doença e da guerra.

A ciência deve saber trabalhar a natureza em proveito do homem, nunca contra o ser humano, não mais com o objetivo de destruir aquele mesmo homem que a faz progredir, inovar e solucionar. É neste sentido prático e no aspeto ético que o dogma, na investigação científica, deve modelar toda a pesquisa, toda a busca da verdade do melhor que possa haver para o homem.

A função do dogma, na investigação científica, deve contudo ser ajustada aos aspetos concretos de melhoria das condições de vida da humanidade, os paradigmas devem ser aceites e trabalhados enquanto constituem um instrumento no avanço da ciência benéfica, sim, porque também há ciência nefasta e desta não interessa dar-lhe, aqui, desenvolvimento.

O dogma, neste contexto, será sustentado enquanto valor da defesa da evolução da ciência benéfica, daquela ciência que o mundo precisa para resolução dos problemas mais prementes da fome, da propagação do ensino e da cultura, por todas as camadas sociais, qualquer que seja a sua posição geográfica.

Tal como muitos dogmas religiosos, também os dogmas científicos devem ser preservados naquilo que tiverem de melhor para o bem-estar da humanidade, porque só assim se pode acreditar em todos os outros. Aceitar e utilizar o dogma, também em ciência, com democracia, liberdade, tolerância, mas nunca como blindagem e supremacia ditatorial de uma suposta verdade.

Glossário

Arquétipo: O termo é usado por filósofos, para denominar as ideias como exemplos de todas as coisas existentes. Modelo pelo qual se faz uma obra material ou intelectual ideal, inteligível, do qual se copiou toda coisa sensível. Para Platão, a idéia do Bem é o arquétipo de todas as coisas boas da natureza.


Ciência: Conjunto organizado de conhecimentos humanos a respeito da natureza, da sociedade e do pensamento, adquiridos através da descoberta e aplicação das leis objetivas que regem os fenômenos e sua explicação. (Toda ciência, para definir-se como tal deve, necessariamente, recortar, no real, seu objeto próprio, assim como definir as bases de uma metodologia específica).

Dogmas: São aspetos substanciais e inquestionáveis de uma doutrina religiosa ou filosófica, mas também invocados na terminologia científica. Fora do contexto religioso, os dogmas servem para designar uma opinião que se confunde com uma verdade indiscutível. No sentido figurativo, pessoas dogmáticas são tidas, portanto, por autoritárias, já que não admitem questionamentos para seus pontos de vista.

Hermenêutica: Estuda a teoria e interpretação de textos filosóficos, jurídicos, religiosos e científicos. A Hermenêutica é a ciência que estabelece os princípios, leis e métodos da interpretação. Na sua abrangência, trata da teoria da interpretação de sinais, símbolos de uma cultura e leis.

Paradigmas: Considerados como protótipos, referências, normas, estruturas, ou ideais. Algo adequado de ser seguido. Um paradigma será a perceção geral e comum – não necessariamente a melhor – de se ver determinada coisa, seja um objeto, seja um fenómeno, seja um conjunto de ideias. Ao mesmo tempo, ao ser aceite, um paradigma serve como critério de verdade e de validação e reconhecimento nos meios onde é adotado.

Bibliografia

KUNH, Thomas Samuel, (1969). A Estrutura das Revoluções Científicas. 7ª Ed. Tradução, Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. S. Paulo: Perspetciva