Em 8 anos Portugal terá de cumprir a meta de 60% de reciclagem de resíduos urbanos

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A ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável analisou o PERSU 2030, o Plano Estratégico sobre Resíduos Urbanos que define o caminho que Portugal deverá seguir, até 2030, para cumprir as muito exigentes metas de preparação para reutilização e reciclagem, que deverão atingir os 60%. Sendo que em 2019 esta meta não chegou aos 20%, a ZERO vê com muita apreensão os próximos oito anos, em particular porque o Plano, cuja consulta pública terminou na passada quinta-feira, pouco ou nada traz de novo. Se não se mudam as estratégicas, como é que se pode esperar obter resultados diferentes?

Os dois grandes desafios que Portugal enfrenta

  1. No anterior PERSU, foi estabelecida uma meta de prevenção de resíduos de 10% até 2020, relativamente ao valor verificado em 2012. O preconizado era que chegados a 2020 a produção de resíduos per capita anual fosse de 410 kg. Contudo, em 2019, o valor per capita anual foi de 513 kg/hab/ano, ou seja, 103kg/hab/ano acima do previsto no anterior PERSU.

O atual PERSU prevê agora uma redução de 15% até 2030, ou seja, para 436kg/hab/ano.

  1. A Diretiva Quadro de Resíduos estipula uma meta de preparação para a reutilização e reciclagem de 60% dos resíduos urbanos em 2030. Portugal, fruto da metodologia do cálculo que seguiu nos últimos anos, a qual induzia uma reciclagem que não existia, andou iludido com uma taxa de 42%. Contudo, com a aplicação da nova metodologia de cálculo definida a nível europeu (reciclado/total de resíduos), somos obrigados a enfrentar a realidade e aceitar o resultado medíocre de 19%. Portanto, em 8 anos, teremos de triplicar a atual taxa, que levámos mais de 20 anos a construir.

Os cinco pecados capitais do PERSU2030

  1. prevenção é apresentada como um eixo central, mas falha a integração transversal no plano. Este é um plano que integra a prevenção na sua estrutura, mas é parco na apresentação das estratégias para atingir as metas, falhando na interligação da prevenção com diferentes dimensões do plano, entre elas, o financiamento e a distribuição de responsabilidades pela sua execução. A ZERO defende que as metas de prevenção deverão ser atribuídas aos Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) e aos Municípios, tal como acontece com as metas de reciclagem, com incentivos por cumprimento e penalizações em casos de incumprimento. Também as entidades gestoras de diferentes fluxos – embalagens, têxteis, equipamento elétrico e eletrónico, entre outras – deverão ter de cumprir metas especificas de redução e reutilização autónomas das metas de reciclagem. Será também fundamental o apoio a infraestruturas partilhadas de reutilização e o estabelecimento de um rigoroso sistema de monitorização que garanta o cumprimento das diferentes metas e objetivos de redução e reutilização que já constam da legislação nacional.
  2. O PERSU 2030 integra os objetivos que deveria integrar e assume o cumprimento das metas, mas infelizmente não integra uma reflexão sobre os fatores que conduziram Portugal ao presente estado de marasmo na gestão de resíduos urbanos e insiste em erros do passado, como na aposta na receita dos ecopontos, quando se sabe das suas significativas limitações para captar materiais para reciclagem. A ZERO considera que é urgente avançar para a recolha porta-a-porta, para que seja então possível avançar com sistemas de PAYT (pay-as-you-throw), que permitam premiar quem separa e penalizar quem ainda não o faz.
  3. O plano preconiza a necessidade de um aumento significativo na recolha seletiva de biorresíduos e multimaterial, mas é omisso na avaliação da eficácia dos métodos atualmente utilizados para a recolha de resíduos, que são recolhidos seletivamente, para além de ter por base um estudo sobre a viabilidade técnica da recolha seletiva de biorresíduos que contêm inúmeras falhas no mapeamento das freguesias que supostamente apresentam potencial de recolha seletiva e as freguesias que supostamente apresentam potencial para compostagem doméstica e/ou comunitária. Os biorresíduos são um elemento chave para o cumprimento das metas – representam cerca de 40% do total de resíduos urbanos. Se Portugal falhar na sua reciclagem, o cumprimento da meta será uma impossibilidade.
  4. Consideramos incompreensível que em termos de financiamento sejam identificadas apenas as necessidades ao nível das infraestruturas de tratamento, desconsiderando áreas fulcrais como as da prevenção e da recolha seletiva, que surgem na narrativa do plano como essenciais, mas para as quais não se avança com o essencial – o financiamento.
  5. evidente insustentabilidade financeira das entidades responsáveis pela gestão das embalagens é uma das principais causas que tem impedido um efetivo investimento na recolha seletiva e que tem penalizado quem mais recicla, como evidenciado pelos estudos feitos pela ERSAR. É urgente garantir que os ecovalores, sejam referentes às embalagens ou a quaisquer outros fluxos de resíduos, integram todos os custos que devem ser integrados, sendo também importante aproveitar o facto das licenças das entidades gestoras estarem em renovação, para incluir novas regras que tornem a responsabilidade alargada do produtor num contribuinte para a economia circular e que deixem de penalizar os Municípios.

Notas finais

A ZERO considera que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), enquanto autoridade nacional para os resíduos, tem de assumir uma nova dinâmica no desenvolvimento da sua atividade, com uma intervenção muito mais assertiva e incisiva, dado ser a responsável pelo bom desenvolvimento da política de gestão de resíduos em Portugal. Um maior rigor nos dados, seja na sua recolha, seja no seu tratamento e análise, seja na sua divulgação, que deve ser muito mais regular e atualizada (existem casos onde os últimos dados disponíveis são de 2018, o que não é aceitável e muito menos compatível com uma gestão eficaz do dossier resíduos) tem de passar a ser uma regularidade. Zelar pelo cumprimento das obrigações por parte dos intervenientes é outra das áreas onde a APA deverá ser muito mais interventiva, sob pena de Portugal perder as inúmeras oportunidades abertas por uma economia verdadeiramente circular.

Ministério do Ambiente, por seu lado, não pode continuar a ser o responsável pelo atraso no avanço da economia circular nos resíduos urbanos, como foi e está a ser, no caso da implementação do sistema de depósito com retorno para embalagens descartáveis de bebidas, cuja implementação estava prevista para janeiro de 2022, mas a respetiva regulamentação ainda nem sequer está assegurada. Tratando-se de uma legislação de 2018 com claríssimos benefícios para o cumprimento das metas nacionais e para a economia do país, não se compreende a falta de vontade política e capacidade de ação que implica uma perda diária de 4 milhões de embalagens de bebidas em plástico, vidro e metal por dia.

Os desafios que se colocam à gestão de resíduos em Portugal são enormes, pelo que será necessário compreender que fazer mais do mesmo, ou com pequenos incrementos, nunca nos permitirá chegar a uma meta de 60% de preparação para reutilização e reciclagem dos resíduos urbanos, quando temos como base 19% em 2019, mais de 20 anos desde o início do processo.  É urgente implementar abordagens diferentes das seguidas até agora e com resultados comprovados em contextos culturais semelhantes, o que não nos parece estar claro no PERSU 2030, nem que tal tenha sido compreendido por quem é responsável pelo planeamento e por quem será responsável pela execução.

Fonte: Zero.ong