Os Incómodos Causados pela Filosofia

Opinião de Diamantino Bártolo
0
418

O estudo e reflexão sobre as questões levantadas, pertinentemente, pela Filosofia, por vezes, incomodam, principalmente, aqueles que nos últimos séculos a têm desvalorizado, menosprezado e tentado eliminá-la, contudo, dois milénios e meio de vida, de intervenção, de intromissão responsável noutros domínios, garantem a sua credibilidade, pelo menos no que respeita à discussão dos problemas que afetam o homem: individualmente considerado; e toda a sociedade em geral, independentemente das culturas, das civilizações, das religiões. A Filosofia é transversal à humanidade e, talvez, também por isso mesmo, suscite polémicas, ódios, eventualmente, a sua própria negação.

Num mundo extremamente agressivo, materialista, rápido e praticamente incontrolado, a cultura vigente dos poderes: ter, dominar e ostentar, sobrepõe-se a outros valores e situações de vida e, sendo assim: «A Filosofia não enche a nossa carteira, não nos ergue às dignidades do Estado, é até bastante descuidosa destas coisas. Mas de que vale engordar a carteira, subir a altos postos e permanecer na ignorância ingénua, desapetrechado de espírito, brutal na conduta, instável no carácter, caótico nos desejos e cegamente infeliz? A maturidade é tudo. Talvez que a Filosofia nos dê, se lhe formos fiéis, uma sadia unidade de alma. Somos negligentes e contraditórios no nosso pensar. Talvez ela possa classificar-nos, dar-nos coerência, libertar-nos da fé e dos desejos contraditórios.» (DURANT, 1988:7).

Pretender melhorar, significativamente, o mundo apenas com a intervenção filosófica seria uma utopia, que poucos aceitariam, que alguma vez se tornasse realidade; defender a Filosofia como uma espécie de panaceia para todos os males, revelaria uma ingenuidade próxima do ridículo; garantir que a Filosofia possa substituir, com êxito, a Ciência e a Técnica e quaisquer outros conhecimentos, constituiria uma atitude dogmática, incompatível com os valores humanistas de humildade, tolerância e de interdisciplinaridade; impor o estudo da Filosofia, nos seus diversos ramos, como um saber unificado e exclusivo para o sucesso da humanidade, revelaria hegemonia filosófica e paralisação do avanço, inovação e progresso das ciências em geral; colocar a Filosofia no centro do Universo, numa posição de absoluto geocentrismo, seria endeusar um conhecimento que reduziria tudo a nada, ou, com um pouco mais de otimismo, tudo lhe ficaria subordinado, inclusive, Deus.

Seguramente que a Filosofia não é nada disto e os filósofos não querem, nunca o manifestaram e pensa-se que jamais o evidenciarão, que se enclausure, numa redoma dogmática, que conduziria à morte intelectual do homem, porque: Filosofia é vida, é contestação, é democracia; liberdade, igualdade e fraternidade. Filosofia enquanto pensamento livre, alternativa, crítica, dúvida metódica.

Filosofia na origem do pensamento visionário, utópico, mas também realidade, pragmatismo e construção ideológica de sistemas, valores e princípios. Filosofia do comportamento ético-moral, da fixação de regras deontológicas. Enfim, Filosofia como companheira da ciência, da técnica, da tecnologia, da religião e da arte. Filosofia como marca indelével da pessoa humana.

A Filosofia enquanto processo para ensinar a pensar, naturalmente que é insuficiente para resolver os diferentes e múltiplos problemas, que afetam a humanidade contemporânea, todavia, o seu contributo, num contexto interdisciplinar, não deve, em circunstância alguma, ser desprezado ou recusado, porque: «Não há Filosofia verdadeira ou falsa, mas todas as filosofias devem aceder a um certo tipo de verdade, oferecerem-se-nos como uma possibilidade de vida.» (MALHERBE e GAUDIN, 2001:156).

A humanidade vive atormentada pelas muitas incertezas que envolvem não só a vida concreta e terrena do homem, mas, principalmente, quanto ao seu destino e fim último, para lá da sua vivência material. Diversas situações circundam, inexplicavelmente, o homem, uma ou mais vezes ao longo da sua existência, sem que ele possa descobrir a origem de tais situações, utilizando os recursos da ciência, da técnica e dos meios mais sofisticados ao seu dispor.

 A angústia, o sofrimento e a doença apoderam-se do ser humano que, sistematicamente, recorre à ciência positivista e a processos de diagnóstico, também estes validados pela ciência e aplicados pela técnica, sem, contudo, conseguir a cura para os males invisíveis que o conduzem a uma morte lenta, quantas vezes, sem cuidar de aprofundar uma reflexão sobre os sintomas que lhe estão mais acessíveis.

O homem tem de acreditar na vida, defender a vida em quaisquer contextos, refletir nos prazeres e nos sofrimentos que a vida proporciona, afinal, dar um sentido à vida.

Este comportamento não se adquire pelos fármacos, pela ingestão e/ou aplicação de quaisquer produtos químicos e/ou bionaturais, na medida em que: «Todo um esforço da consciência filosófica na busca do sentido das coisas tem, de fato, a finalidade de compreender de maneira integrada o próprio sentido da existência do homem. Portanto, o esforço despendido pela consciência no seu refletir filosófico não é só mero diletantismo intelectual, nem puro desvario ideológico, nem tentativa de representação do mundo para fins pragmáticos. É antes a busca insistente do significado mais profundo da existência humana, sem dúvida alguma para torná-la mais adequada em si mesma.» (SEVERINO, 1999:23).

Bibliografia

DURANT, Will. Filosofia da Vida. Os Problemas Filosóficos da Existência Humana, Trad. Monteiro Lobato, Lisboa: Livros do Brasil. 1988.

MALHERBE, Michel, e GAUDIN, Philippe. As Filosofias da Humanidade. Trad. Ana Rabaço, Lisboa: Instituto Piaget, 2001. Págs. 164-170.

SEVERINO, Antônio Joaquim. A Filosofia Contemporânea do Brasil, Petrópolis: Vozes. 1999